Em outubro de 2017 o New York Times publicou uma reportagem com relatos de abusos do produtor Harvey Weinstein à mulheres da indústria cinematográfica que datavam de mais de 30 anos.

Logo após seu surgimento, o Time's Up movimentou Hollywood: no Globo de Ouro, artistas usaram preto em apoio a organização
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Logo após seu surgimento, o Time's Up movimentou Hollywood: no Globo de Ouro, artistas usaram preto em apoio a organização

Às primeiras acusações seguiram-se outras e hoje, um ano e meio depois, é (quase) seguro dizer que a carreira de Wesintein acabou. Um dos homens mais poderosos da indústria cinematográfica americana, ele foi acusado de alguma forma de abuso – chegando a estupro – por mais de 80 mulheres.

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Nomes como Angelina Jolie, Alyssa Milano, Ashley Judd e Lupita Nyong’o denunciaram o comportamento abusivo do produtor, o que abriu uma porta para que muitas outras mulheres e homens relatassem casos parecidos. Por conta dessa corrente, popularizou-se a hashtag “Me Too” (eu também), como um movimento de acolhimento para que pessoas pudessem relatar seus abusos sem medo de retaliação.

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Sobreviventes de assédio sexual estampar a capa da Times

Passada a primeira fase de denúncias, chegou a hora dos membros da indústria se organizarem para ajudar essas pessoas, garantir apoio legal e estabelecer medidas práticas para evitar que ações como essa seguissem impunes. E assim nasceu, no começo de 2018, o Time’s Up. Em um ano, a organização já arrecadou mais de US$ 25 milhões para seu fundo de defesa legal, e angariou mais de 800 advogadas voluntárias.

“O Time’s Up nasceu da necessidade de transformar dor em ação”, diz o site oficial da organização. Proteger as mulheres abusadas e oferecer um espaço seguro para que elas pudessem denunciar seus agressores era o primeiro passo, mas a partir daí era preciso efetuar mudanças de fato.

Elas perceberam que as posições de liderança eram comumente ocupadas por homens brancos e heterossexuais, o mesmo perfil responsável pela maioria das demonstrações de abuso. A ideia, então, era mudar esse cenário, e oferecer diversidade na indústria, contando com a participação de estúdios, agências e produtores para diminuir a diferença entre homens e mulheres no set – tanto na quantidade, quanto na diferença salarial.

Embora tenha começado com Hollywood , porém, o Time’s Up nasceu como uma iniciativa para oportunidades iguais para mulheres em todas as áreas produtivas. Atualmente, a organização tem 16 parceiros, incluindo associações de mulheres que trabalham no campo e empregadas domésticas.

Críticas e problemas

Thandie Newton criticou abertamente o Time's Up e disse ser uma organização elitista
Reprodução/The Wrap
Thandie Newton criticou abertamente o Time's Up e disse ser uma organização elitista

Em outubro de 2018 a organização anunciou sua primeira CEO, Lisa Borders, que já havia sido presidente da Liga Americana de Basquete Feminino. Borders renunciou ao cargo apenas quatro meses depois, após o filho ter sido acusado de conduta inapropriada por uma mulher. Sendo assim, um ano depois a organização não tem um nome forte para servir como rosto para suas reivindicações.

Além disso, eles enfrentam críticas dentro da própria classe artística, que as chamam de elitistas. Asia Argento, uma das primeiras a denunciar Weinstein, não se juntou ao grupo, assim como a atriz Thandie Newton, que em 2016 contou em entrevista que foi abusada por diretores de elenco quando era mais nova. Newton afirmou que não foi convidada pela organização por que “não era mainstream o suficiente, nem estaria na próxima edição do Oscar”.

As pequenas vitórias de Hollywood

Brie Larson tem sido uma praticante do Time's Up e leva ideias da organização para a carreira
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Brie Larson tem sido uma praticante do Time's Up e leva ideias da organização para a carreira

Na esteira das acusações de Weinstein, que aconteceram no período pré-temporada de premiação, quando a maioria dos filmes que almejam uma chance no Oscar são exibidos, houve uma espécie de efeito imediato.

Greta Gerwig entrou na lista dos cinco diretores indicados a Melhor Diretor  no Oscar de 2018 – a quinta mulher a alcançar tal feito em 90 anos de premiação - e Rachel Morrison se tornou a primeira mulher a concorrer na categoria de Melhor Fotografia. Não dá, porém, para estabelecer que o Time’s Up foi responsável por isso, já que a Academia vinha enfrentando problemas de representatividade.

Mas, ao longo de seu primeiro ano de existência, a organização atuou, e atua em 100 ações contra abusadores, e duas agências de talento se uniram ao grupo com o objetivo de sanar as diferenças salariais baseadas em gênero até 2020.

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No mais, a instituição tem se mantido fora dos holofotes. Em uma entrevista para a Variety em setembro, a diretora executiva da área de entretenimento do Time’s Up, Nithya Raman, comentou que a maioria das ações sendo tomadas no momento ainda não estão disponíveis para conhecimento público.

Ela comentou, porém, sobre o programa “Critical” que não é necessariamente direcionado a indústria, mas sim aos jornalistas que a cobrem. A ideia é aumentar a diversidade e melhorar o acesso de minorias que são críticos e/ou repórteres de entretenimento.

Isso tem sido posto em prática por Brie Larson durante a press-tour de “Capitã Marvel”. Larson, uma das integrantes da organização, tem feito o máximo que pode para aplicar alguns conceitos aventados pelo movimento, garantindo que as mulheres e minorias do elenco participem ativamente da promoção do filme.

É difícil, no entanto, pontuar a efetividade da organização até agora. “Como consertar séculos de patriarcado em 12 anos?” chegou a dizer uma das fundadoras do movimento, Christy Haubegger, agente. Ela não está errada, e mudar o panorama exige uma mudança de consciência, o que não acontecerá da noite para o dia.

O futuro da indústria cinematográfica

Parte das artistas que representam o Tim's Up em um evento pós-Oscar em 2019
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Parte das artistas que representam o Tim's Up em um evento pós-Oscar em 2019

Mais eficiente do que diversificar os jornalistas, porém, é diversificar o set. Atores do alto escalão de Hollywood, que podem escolher com quem querem colaborar, podem também determinar quem eles querem trabalhando com eles (em certos níveis). Não é impossível que um ator estabeleça em contrato que fará um filme se x porcento da equipe for composta por mulheres.  

Iniciativas que geram inclusão precisam apenas de uma pessoa para ter início. Ryan Coogler, por exemplo, escolheu majoritariamente uma equipe de pessoas negras para produzir “Pantera Negra”. O resultado, além de um ótimo filme, são artistas que quebraram tradições antigas e se tornaram os primeiros negros a ganhar Oscar em determinadas categorias.

Reese Whiterspoon, antes mesmo do Time’s Up, já buscava diversificar em suas produções. A atriz comprou o direito de alguns filmes escritos por mulheres e, ao longo dos últimos anos, tem atuado em produções centradas em mulheres, como “Big Little Lies”, série da HBO.

Agora, uma iniciativa prática tem potencial para, de fato, transformar a indústria: em janeiro Tessa Thompson anunciou que trabalhará com pelo menos uma diretora nos próximos 18 meses, iniciando o “4percentchallenge”.

Ela se baseou em estatísticas que mostram que dos 1200 filmes de maior bilheteria da última década, 4% são dirigidos por mulheres. Ao anunciar a iniciativa no Festival de Sundance, ela convidou outros artistas a fazer o mesmo.

Brie Larson, Kerry Washington, Paul Feig, Jordan Peele e J.J. Abrams aceitaram o desafio e se comprometeram a trabalhar com diretoras no mesmo período. Além disso, sete estúdios embarcaram na ideia, incluindo Warner Brothers e Universal.

Regina King, ao aceitar o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em janeiro por “Se a Rua Beale Falasse”, prometeu que irá garantir que 50% da equipe de suas produções nos próximos dois anos sejam ocupadas por mulheres.

“Chegou a hora” diz o movimento, que surge em um período de convergência muito grande no mundo de maneira geral. Não é uma tarefa fácil transformar 4% em 50%, e as pessoas que se comprometeram com isso precisam cumprir o combinado. Não é tarefa fácil dar espaço para pessoas que foram suprimidas de posições, não por incapacidade, mas por ser mulher, porém, o potencial de sucesso seria, literalmente, como algo nunca visto antes.

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A indústria cinematográfica tem pouco mais de 100 anos e não temos, até hoje, uma representante feminina tão forte como os homens (Scorsese e Spielberg para citar dois populares que ainda estão na ativa). Não por falta de talento, mas sim por que desde quando o cinema passou a existir, as mulheres nunca tiveram as mesmas oportunidades que os homens. Chegou a hora disso mudar.

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