Há diversas formas de se abordar o racismo em seu viés institucionalizado, mas fazê-lo por meio de uma história de amor é uma opção mais do que inusitada, arriscada. Após o ganhar o Oscar com “Moonlight: Sob a Luz do Olhar”, Barry Jenkins assumiu esse desafio. “Se a Rua Beale Falasse”, adaptado do romance homônimo do pensador e ativista negro James Baldwin, é lindo e cativante como uma tarde outonal, sem deixar de ser pesado e doloroso como um soco no estômago.

Cena de Se a Rua Beale Falasse, que estreia nesta quinta-feira (7) nos cinemas brasileiros
Divulgação
Cena de Se a Rua Beale Falasse, que estreia nesta quinta-feira (7) nos cinemas brasileiros

Fluindo por tempos diferentes, “Se a Rua Beale Falasse” conta a história de Tish (Kiki Layne) e Alonzo ‘Fonny’ Hunt (Stephan James), um jovem casal apaixonado e cheio de planos que tem a vida afetiva interrompida quando ele é acusado de estupro e preso.

Leia também: Cineastas negros respondem pelos melhores e mais complexos filmes de 2018

Ao invés de focar na atribulada tentativa de provar a inocência de Fonny ou na sacrificada vida de Tish, que se descobre grávida tão logo o pretenso namorado, eles nem sequer haviam formalizado nada, foi preso, o longa, também roteirizado por Jenkins, opta pela generosidade, pelo brio de quem opta pelo amor em detrimento do rancor, do ódio e da amargura.

Vemos Fonny padecer, Tish esmorecer, sua família fazer das tripas coração parar ajudar no sustento dela e da criança que virá ao mundo e custear a defesa de seu amado, mas vemos tudo isso por meio do olhar poético e esperançoso de Barry Jenkins , temperado pela arrebatadora trilha sonora de Nicholas Britell e pela fotografia crepuscular e afetiva de James Laxton.

Você viu?

A maneira como Jenkins conta essa história é poderosa, ainda que o seja de uma maneira distinta de outras produções que se debruçaram sobre o racismo institucionalizado em 2018, e sensorial.

Mostrar uma história de amor modificada por uma grande injustiça é cinematograficamente potente, ainda que Jenkins opte pela sutileza do registro em todas as oportunidades possíveis. São nos diálogos achados e nos momentos íntimos que todo o horror, e o pavor inerente, ao racismo surgem nauseantes. Nesse sentido, a curta, mas precisa participação de Brian Tyree Henry (de “Atlanta” e que também pôde ser visto em “As Viúvas” em 2018) é eloquente. Ele faz um amigo de Fonny que também foi preso injustamente e conta um pouco de sua experiência atrás das grades, de como aquilo o modificou profundamente.

 Leia também: Poético e sutil, “Moonlight” mostra tragédia surda de jovem negro e gay

Não é só uma linda história de amor

Regina King, indicada ao Oscar 2019 como atriz coadjuvante, em cena de
Divulgação
Regina King, indicada ao Oscar 2019 como atriz coadjuvante, em cena de "Se a Rua Beale Falasse"

A resiliência do amor pode parecer a matéria-prima de Jenkins e Baldwin aqui e de certa forma é, mas também a retidão de caráter, a empatia e a generosidade. Os pais de Tish, vividos com graciosidade e esmero por Regina King e Colman Domingo, são bons exemplos disso. Em praticamente todos os momentos que eles estão em cena, eles poderiam fazer escolhas diferentes, mais defensivas e menos generosas e ainda assim humanas, mas a bagagem desses personagens os colocaram em outra exclamação.

Leia também: Spike Lee traça retrato atemporal da América em "Infiltrado na Klan"

A tristeza é perene em “Se a Rua Beale Falasse” , um filme que se formaliza como denúncia do racismo com esperança e assertividade, mas não é protagonista. A força desses personagens, o desejo constante de reclamar posse de seus destinos ecoa forte no público. É essa capacidade de ver além do óbvio massacrante da rotina que torna o filme tão especial.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!