A política está repleta de grandes personagens que não necessariamente ganham distinção lisonjeira no contexto histórico. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha pode ser um exemplo. Dick Cheney, ex-vice presidente nos dois governos de George W. Bush, também. É ele o protagonista do novo filme de Adam McKay (“A Grande Aposta”).
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“ Vice ” não é apenas uma elaboração potente e imaginativa sobre quem é Dick Cheney, o homem imprudente e truculento que cresceu no Wyoming e acabou se tornando uma figura central das engrenagens do Partido Republicano e homem forte da Casa Branca de Bush.
A produção, indicada a oito Oscars, incluindo filme, direção, roteiro original e ator, propõe um olhar ácido sobre o modo de fazer política e enxerga na figura opulenta de Cheney um paralelo perverso com o status quo da América de hoje, sob Trump.
McKay aposta na mesma linguagem bem-sucedida de “A Grande Aposta”, filme que problematizava o capitalismo e mostrava, com uma perspectiva para lá de cínica, os meandros e pormenores da crise econômica que estourou em 2008 e colocou os EUA e o mundo na UTI.
A edição frenética de informações e pontos de vista favorece o hipertexto, mas a obra tem uma agenda bem particular. O filme defende que Dick Cheney moldou a maneira como o mundo se encontra hoje em matéria de geopolítica. Seus cálculos, advoga McKay, não necessariamente vingaram conforme pretendido, mas foram suas ações no campo energético, de Defesa e fundamentalmente na política internacional e no investimento canino na invasão ao Iraque que moldaram o mundo como o conhecemos hoje.
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McKay identifica nas rotas e estratégias de Cheney os primeiros vestígios do que hoje classificamos como pós-verdade. O republicano, na visão da realização, era hábil na confecção de fatos alternativos e no convencimento da opinião pública e dos poderosos de Washington. A cena em que expõe isso, fazendo uma analogia entre tortura em solo estrangeiro (a polêmica aposta em Guantánamo) e um desfile nos gramados da Casa Branca com pênis enfeitados é uma dessas piadas certeiras que vale o ingresso.
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O Dick Cheney de McKay não é exatamente um intelectual de fina estipe, mas é um político arguto, um predador natural. Algo que falta a George Bush e que McKay recorre a Shakespeare, em mais uma cena daquelas de se assistir com o sorriso no rosto, para tangenciar. Eis que aí transparece outro aspecto importante da postulação que “Vice” faz sobre Cheney e seu impacto no mundo. Um homem desses não poderia ter produzido o impacto que produziu, não importando a natureza perversa ou altruísta dessa condição, sem uma grande mulher. É aí que entra Lynne Cheney, defendida com bravura pela sempre competente Amy Adams, que introduz no marido o desejo pela grandeza.
“Vice” tem grandes pequenos momentos – como quando a identidade do narrador é revelada - e cenas verdadeiramente apoteóticas - a maneira como Cheney trabalha as expectativas de Bush em relação à parceria é particularmente um achado -, mas é o todo e suas reminiscências que provocam um estremecimento mais perene.
O olhar de Adam McKay é apurado e ele dá dimensão humana e histórica a um bater de botas na Casa Branca e em algum lugar remoto do Iraque e acua Cheney em seu próprio filme. Não só este não é um retrato lisonjeiro, como o filme é um dedo em riste que brada “o mundo está assim por culpa sua”.
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Cheney, em um dado momento, quebra a quarta parede e se defende. É quando McKay, correndo o risco de parecer óbvio, se espelha ao seu biografado em grandiloquência, e permite que o público assuma sua parcela de culpa. Há culpa para todos em “ Vice ”, mas o fardo é só deste homem que ganhou na atuação depravada de Christian Bale a mais completa e explosiva dimensão de tragédia.