Não existe um vilão em “Creed II”. Nem mesmo um inimigo físico. As batalhas enfrentadas tanto por Creed ( Michael B. Jordan ) quanto seu rival Viktor Drago (Florian Munteanu) estão em suas cabeças. Mas mesmo essa leitura é simplista para o tanto de dedicação de Ryan Coogler em fazer personagens complexos, que vivem conflitos emocionais profundos e, mesmo sendo essencialmente um filme sobre “descobrir-se”, o faz sem fórmulas e sem medo de levar seus personagens ao limite.

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"Creed II"

“Personagens” no plural, pois todo ator que ocupa a tela de “ Creed II ” tem seu propósito e Coogler (que assina o roteiro da sequência depois de dirigir o primeiro) e o diretor Steven Caple Jr. fizeram um filme sobre um lutador de boxe que fala sobre família, fragilidade masculina, amadurecimento e laços de confiança.

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Quando o longa começa, Adonis Creed não precisa mais mostrar seu valor. Ele já mostrou, no primeiro, que é capaz de se superar nos ringues. A vida é mais confortável, e a perspectiva de trocar a gélida Filadélfia pela morna Califórnia se mostra positiva, principalmente para Bianca (Tessa Thompson), que está prosperando na carreira de cantora e terá mais oportunidades em Los Angeles.

A sombra do pai, porém, retorna a Creed quando o filho de Ivan Drago (Dolph Lundgren) – responsável pela morte de seu pai – o desafia. Embora aconselhado por todos, inclusive Rocky (Sylvester Stallone) a não aceitar o desafio, Creed acredita que pode acertar uma espécie de dívida com seu passado ao fazê-lo.

Inicialmente, ele evolui muito pouco do primeiro para a continuação. Segue tendo no orgulho sua principal virtude, e seu maior defeito, mas dessa vez ele se vê sozinho, depois de Rocky desistir de continuar treinando-o por aceitar lutar com Viktor. Creed é mimado e sua maior motivação ainda é o ego.

Aparentemente fragilizado pela perda do apoio de Rocky, Adonis vai lidar com outro conflito: a inesperada gravidez de Bianca. Os dois são jovens e, embora planejem uma vida juntos, não estão prontos para essa que será a maior prova de suas vidas adultas. E esse é o grande trunfo da continuação de “Creed”, abordar o amadurecimento repentino dos dois, colocando para teste sua lealdade, parceria e a relação em geral.

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Se Adonis, porém, decide lutar com Drago pelos motivos errados, o rapaz também o faz mais por pressão do pai. Dessa vez, não é Creed quem treina nas ruas geladas, mas Viktor, motivado por um lar desfeito e a marca que o pai deixou ainda pairando sobre suas vidas.

Se Adonis está lutando contra seus demônios, Viktor também. O filho de Ivan Drago tem traumas suficientes para superar por conta própria, inclusive decidir por que ele quer ganhar essa luta. Se inicialmente parecia claro, quando com Creed era o oposto, Viktor chega num ponto onde mostra dúvida quanto ao seu lugar, seja no ringue, na Rússia ou em sua família.

O boxe e o divã em “Creed II”

Conflitos familiares e amadurecimento dão o tom para
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Conflitos familiares e amadurecimento dão o tom para "Creed II"

Todos os fatores que fazem a franquia “Rocky” ser tão famosa estão ali: as cenas épicas de luta, o momento de se reerguer quando a vitória parece impossível, as montagens de treinamento cada vez mais intensas. Mas o que permeia o longa são os conflitos emocionais e, se a primeira vista Adonis não parece ter amadurecido, ele aos poucos vai quebrando essas camadas e deixando que a emoção tome conta, mesmo que isso signifique sua derrota.

E a vulnerabilidade de Creed se torna a grande novidade do filme – mais do que a luta em si. Michael B. Jordan nunca esteve tão bem – dosando o ego de Creed com uma carga emocional que o personagem nunca lidou antes.

A consequência da evolução dos personagens – até mesmo Rocky que sai em busca do próprio amadurecimento – é um filme ainda melhor que o primeiro. A trilha sonora continua a boa sequência do primeiro e a fotografia ganha novos e inventivos olhares com Kramer Morgenthau – principalmente quando Creed e Rocky dividem a tela.

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Em “Creed”, Ryan Coogler conseguiu com sucesso dar um restart na famosa franquia, equilibrando o clássico com o novo. Agora, Steven oferece novos contornos e “ Creed II ” é seu próprio filme, tão ou mais excepcional que o primeiro.

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