O ano de 2018 foi o ano em que o cinema descobriu que mulheres podem protagonizar grandes filmes de assalto. Em junho, a Warner lançou “Oito Mulheres e um Segredo” , misto de refilmagem e continuação de “Onze Homens e um Segredo” com um elenco estrelado e liderado por Sandra Bullock e Cate Blanchett. “As Viúvas”, uma das principais estreias deste final de semana nos cinemas brasileiros, tem um mote parecido. Mas é só o mote.
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Não é todo dia que um grande estúdio lança um filme protagonizado por mulheres e dirigido por um negro. Mas “As Viúvas” não soma ou se beneficia da agenda feminista tão em voga no cinema e no mundo contemporâneos, mas a embarca de maneira profunda e bem resolvida.
Toda a engenharia do projeto já sinalizava que este não seria um filme de assalto banal ou um mero exercício de gênero. Gillian Flynn, escritora e roteirista que criou fama, e algumas inimizades, por criar personagens femininas complexas e frequentemente antipáticas – uma demonstração pouco apreciada de que as mulheres podem ser tão vis, cruéis e corruptas quanto os homens -, Steve McQueen, um cineasta que sempre demonstrou olhar apurado para os personagens e Viola Davis, uma atriz tão intensa que filmes e elencos precisam se moldar a ela, constituíam as principais vértices do projeto.
A FOX resolveu bancar a empreitada, que atraiu um dos elencos mais impressionantes que Hollywood já reuniu em um único filme, e orçou o longa em US$ 42 milhões. Não é o que se gasta em filmes de heróis atualmente, mas imagine que o primeiro “Deadpool”, do mesmo estúdio, teve um orçamento de US$ 58 milhões. O risco era grande e o longa amealhou mundialmente pouco mais de US$ 43 milhões em pouco mais de duas semanas, o que sinaliza que dificilmente dará lucro. Mas o que a FOX capitaliza com “As Viúvas” talvez vá além de dinheiro. Este é o filme com pretensões comerciais mais ousado da temporada.
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Talvez seja preciso forçar a comparação entre “Oito Mulheres e um Segredo” e “As Viúvas” para ter uma melhor dimensão da ousadia do segundo. Enquanto o primeiro aposta em tiradas ágeis, arquétipos bem estabelecidos e o foco em um plano engenhoso (ainda que o roteiro tenha furos e soluções fáceis), o segundo investe no desenho das personagens (ainda que com algum desequilíbrio em virtude do grande número delas) e na maneira desastrada e conturbada com que a aproximação delas resulta em uma decisão que qualquer ponderação afastaria, mas que ainda assim parece imperiosa para que assumam o controle de suas vidas em um momento de particular fragilidade.
Steve McQueen e Gillian Flynn têm muitos alvos em “As Viúvas”, mas também tem Viola Davis, Michelle Rodriguez e Elizabeth Debicki, atrizes que foram convencidas a convencer a audiência de que este é um filme mais importante do que parece ser... Ou que parece ser mais importante do que é. Mas essa divagação fica para os entusiastas do marketing e da comunicação.
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De todo modo, “As Viúvas” não apenas se vende como parte da agenda de empoderamento . O longa vende empoderamento em cada fotograma. Do beijo doído de Michelle Rodriguez em um sujeito que é só um meio para um fim (uma das cenas mais bonitas e condoídas do filme), ao desfecho das personagens de Debecki e Viola (cheia de ótimos simbolismos), este filme pode até ser esquecido, mas pode ser referenciado como o começo de uma mudança de paradigma no mainstream americano. É uma aposta da qual vale a pena participar.