O momento de extrema polarização política que o Brasil atravessa naturalmente desperta o interesse do cinema e vemos nossos documentaristas se lançarem ao desafio de tentar compreender esse momento histórico. “O Muro” começa com uma contemplação assustada das formas geográficas de um muro improvisado na capital federal nos dias que antecederam a votação na Câmara dos Deputados da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff .
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O filme de Lula Buarque de Hollanda se propõe a uma tarefa difícil no Brasil de hoje. Dialogar com estratos da sociedade com ideologias distintas, mas incide no risco de acabar vítima do mal que pretende diagnosticar. “O Muro” apresenta um leve desequilíbrio favorável a uma agenda da esquerda, o que pode ser atribuído tanto a questões circunstanciais – mais pensadores de esquerda disponíveis à fala em um momento de ascensão da Direita ou mesmo à afinidade ideológica da realização. Fato é que o longa se esforça para ser o mais amplo e problematizante possível, algo que não pode ser menosprezado.
Produzido pela Espiral Criação e pela Produção Cultural com exclusividade para o Curta! , o filme apresenta personagens a favor e contrários ao governo Dilma e faz retratos dessas figuras enquanto as vozes articulam pensamentos e tentam legitimar posições. O filme busca amparo, ainda, em especialistas que tentam dimensionar o momento histórico que o Brasil e os brasileiros vivem e entender as raízes de uma polarização tão aguda.
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Nomes como Laura Barbosa de Carvalho, economista e professora da USP, Luiz Eduardo Soares, antropólogo e cientista político, Maria Rita Kehl, psicanalista e jornalista, Ronaldo Lemos, advogado e professor especializado em tecnologia, entre outros dão verve à inquietação emanada pela realização.
Não obstante, Hollanda e sua roteirista e colaborada Isabel de Luca, também jornalista, vão aos EUA buscar um contraponto com a eleição de Donald Trump, um possível marco zero da ascensão contemporânea da Direita. Esse movimento parece mesmo preocupante para a realização que fustiga seus pensadores a elaborar a respeito dele. Como contexto histórico vai à Alemanha, em que o muro de Berlim ainda é uma presença memorial, e a Israel respirar o conflito com a Palestina e entender o porquê do muro físico que divide palestinos e israelenses ter aceitação até mesmo da esquerda local.
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O grande mérito de “O Muro” é não tentar simplificar questões naturalmente complexas, mas sim tentar esquadrinha-las com pensamento livre e com margem ao contraditório. Nem sempre é bem sucedido. Mas o movimento de compreensão é muitíssimo bem-vindo e precisa ser percebido em seu devido contexto. A História será mais simpática a um filme com o perfil do de Hollanda do que a tantos outros, produzidos no calor dos fatos que visam retratar, com pontos de vista intransigentemente definidos.