O cinema português é destaque na programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em cartaz até 31 de outubro, e no Festival do Rio, entre 1º e 11 de novembro. “Raiva” e “Pedro & Inês: O amor Não Descansa” são dois desses destaques.
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“É difícil falar sobre cinema nesse momento que o Brasil vive”, confessa entre risadas nervosas o diretor de “Raiva”, Sérgio Tréfaut. Seu filme, a segunda ficção que assina, é fruto de coprodução entre o cinema português , o brasileiro e o francês.
Adaptado do romance “Seara de Vento”, de Manuel da Fonseca, o longa versa sobre injustiça social e mostra a rotina de uma família pobre nos campos do Baixo Alentejo, na Portugal dos anos 1950. O filme abre com um crime e passa a se dedicar à engenharia social que desencadeou esse evento.
Tréfaut admite que seu filme “está fora dos padrões convencionais” em que todos parecem interessados apenas pelo que vem da televisão. “Me acho obrigado a lutar pelo que acho importante”, observa. “A história de meu filme antecede o conceito de luta de classes. Isso não existe. Há abuso social”, defende o cineasta que vê com desencanto a ascensão da direita no mundo e revela descontentamento com os rumos políticos do Brasil, sinalizados pelas eleições que se encerram neste domingo (28). “Os salvadores são sempre os impostores. Quem promete a redenção por meio da ordem traz a barbárie”.
Raiva
O que leva à escolha do nome do filme. O longa se chamaria “Pão”, mas Tréfaut admite que o título passaria uma ideia de “glorificação do povo” que não era pretendida. Seu filme descarta a catarse, o heroísmo e encontra a desesperança. O cineasta concorda com a análise sem orgulho, mas com inquietação.
Ele diz que de debruçou muito sobre “Vidas Secas”, de Gacriliano Ramos, e o filme inspirado na obra assinado por Nelson Pereira dos Santos e observa que a exclusão, essa situação perversa, é a mesma no Brasil, de ontem e de hoje, assim como o é na China e em Portugal. Por fim, justifica a escolha de seu título pelo fato da raiva ser a base que leva à revolta e organização de protesto.
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Sopro épico no cinema português
Tréfaut observa, ainda, que seu filme ostenta um “sopro épico e romântico” e é isso que o aproxima de “Pedro & Inês: O amor não descansa”, de Antônio Ferreira, que retorna à mostra depois de exibir “Embargo” em 2010. Seu filme é uma adaptação de “A Trança de Inês”, de Rosa Lobato de Faria, uma das mais reverenciadas obras literárias lusitanas e origem da expressão “Inês é morta”.
“Eu penso que meu filme é um épico contemporâneo”, observa Ferreira que admite não ter sido fácil rodar um filme sem muito dinheiro que tem uma aparência de grande produção. De fato, o longa, previsto para estrear no Brasil apenas em 2019, é a mais ambiciosa produção portuguesa a ter lançamento comercial por aqui em algum tempo.
“Pedro & Inês” conta a história do amor trágico dos protagonistas em três tempos diferentes (na Idade média e com o Rei Dom Pedro I como protagonista, no presente, com um Pedro arquiteto, e em um futuro distópico) e propõe uma mescla de gêneros. Há o drama histórico, o thriller, a ficção, mas tudo temperado pelo objeto romântico.
Não é uma equação fácil e Ferreira observa que esteve atento durante todo o processo à audiência estrangeira, que não teria tanta familiaridade, com a clássica história lusa. “Isso é importante para engajar o espectador no filme. Podemos falar em reencarnação, para quem quiser olhar o filme sob essa perspectiva”, acrescenta ao falar sobre como as três histórias têm pontos de convergência, mas apresentam características singulares.
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“Pedro & Inês”, que terá sessões na Mostra no sábado (27), às 19h50 no Cine Caixa Belas Artes e no dia 31 no Frei Caneca Itaú, às 19h40, e “Raiva”, com sessões na segunda-feira (30), no Espaço Itaú Augusta – Anexo 4, às 16h40, e terça (31), às 16h, no Cinearte Petrobras 2, são demonstrações eloquentes da pluralidade e obstinação de um cinema português que deseja sobreviver ao legado de Manoel de Oliveira.