Existem os filmes de serial killer feitos em Hollywood e existe o filme de serial killer feito por Lars Von Trier . Gênio, louco, esteta, misógino e polemista são algumas das faces do cineasta dinamarquês e todas elas convergem e explodem em “A Casa que Jack Construiu”, sua mais recente e polarizadora obra-prima.

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Cena de
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Cena de "A Casa que Jack Construiu", que estreia nesta semana em São Paulo, Recife, Curitiba e outras cidades brasileiras

Em “A Casa que Jack Construiu” , Matt Dillon é Jack, um sujeito introspectivo, esquisito e cheio de transtornos obsessivo-compulsivos que de modo intempestivo mata uma mulher um dia e descobre, mais do que prazer, o que crer ser uma vocação artística no ofício de matar.

Como este é um filme de Lars Von Trier, a lógica obedece uma cartilha de metáforas que flui entre a mais óbvia e a mais enigmática e rebuscada. Jack conta cinco incidentes, elencados aleatoriamente segundo ele, a Virgílio (Bruno Ganz) em uma jornada rumo ao inferno. Ele tenta convencer o estafado emissário satânico, mas que poderia ser apenas uma manifestação de seu consciente, ou de uma esquizofrenia, de que há beleza na degradação e que a destruição, nela mesma, tem algum valor artístico.

O raciocínio de Jack, e o confronto intelectual e filosófico que trava com seu interlocutor, são fascinantes, mas o que mais mesmeriza no longa-metragem é a maneira como essas divagações e inflexões ressoam junto à audiência. Von Trier assenta-se frequentemente sobre a psicanálise para moldar seus filmes, mas o patamar que alcança em “A Casa que Jack Construiu” beira a intransigência.

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A maneira sofisticada com que aborda temas tão universais como particulares, embrenhando-os uns nos outros e provocando tanto incômodo como empatia em sua audiência assombra.

O Jack de Matt Dillon

Matt Dillon e Bruno Ganz em cena expressionista de A Casa que Jack Construiu
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Matt Dillon e Bruno Ganz em cena expressionista de A Casa que Jack Construiu

O psicopata criado por Matt Dillon e Von Trier é assustadoramente banal. Cômico às vezes e é justamente esse elemento que o torna mais perturbador. Jack não é exatamente erudito, mas desponta como alguém que tenta sê-lo. No mais, o fato dos assassinatos o libertarem gradativamente de seus transtornos compulsivos gera resíduos narrativos interessantes, assim como outras postulações de céu e inferno conviverem dentro de cada um de nós e sobre como o cinema, com todas as suas catarses, escoa todos os nossos desejos sórdidos que a sociedade civilizada e controlada não comporta.

É mais ou menos por essa elaboração que o cineasta permite que seu público o enxergue em seu protagonista. Sim, Von Trier se compara a um psicopata e assume sua arrogância, mas também seu brilhantismo. À medida que Jack evolui em seus assassinatos, também evolui sua confiança, seu desprezo por suas vítimas e pela inferioridade de seus intelectos.

Não à toa, em mais uma genial e corajosa auto referência, o dinamarquês escolheu Bruno Ganz, que já viveu Hitler no cinema (no filme “A Queda! As Últimas Horas de Hitler) para dar vida ao interlocutor de Jack. Para quem não se lembra, Von Trier disse em coletiva em 2011 no festival de Cannes que “entendia Hitler” e foi alvo de protestos e banimento no festival.

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Signos e charadas

Uma Thurman tem uma ótima e marcante cena no começo de A Casa que Jack Construiu
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Uma Thurman tem uma ótima e marcante cena no começo de A Casa que Jack Construiu

“A Casa que Jack Construiu” é pródigo na conjugação de signos que serão especialmente apreciados por quem já ostenta alguma familiaridade com o cinema do diretor, mas mesmo esses irão se deparar com charadas sofisticadas elaboradas por Lars Von Trier. Eis um filme soturno, absolutista e que busca transcender por meio da provocação. É arte em estado bruto!

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