O ano de 2018 está sendo especialmente prolífero e próspero para o gênero do horror. Filmes como “Um Lugar Silencioso”, “Hereditário” e o retorno de Mike Myers aos cinemas com o novo e elogiado “Halloween” posicionaram o gênero no centro do debate na cultura pop. “The Haunting of Hill House”, ou “A Maldição da Residência Hill”, no Brasil, chega para adensar este cenário.
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A adaptação da obra homônima de Shriley Jackson escrita em 1959 e que já havia sido adaptada para o cinema ganha sua versão definitiva na série da Netflix . “ The Haunting of Hill House” é inteligente, muitíssimo bem costurada, tem boa cota de sustos e uma atmosfera de medo como poucas vezes se viu na televisão.
Criada, produzida e escrita por Mike Flanagan, que dirige os dez episódios que compõem a primeira temporada, a série busca em “Rashmon” (1950), clássico de Akira Kurosawa, as bases para desenvolver uma narrativa em que diversos pontos de vista se conectam em linhas temporais distintas. Um esforço criativo que só um trabalho refinado de edição poderia dar conta e este constitui outro dos predicados de Flanagan a ganhar relevo na produção.
A trama
A série acompanha o verão da família Crain na Residência Hill . Hugh (vivido por Henry Thomas e Timothy Hutton) e Olivia (Carla Gugino) se mudam para a residência durante o verão, época de férias para as crianças, para empreenderem reformas na mansão, vendê-la e angariar um bom lucro neste processo.
Eles têm cinco filhos. Steve (vivido por Paxton Singleton na infância e por Michiel Huisman na fase adulta), o mais velho, Shirley (vivida por Lulu Wilson na infância e por Elizabeth Reaser na fase adulta), Theodora (Mckenna Gracie na infância e Kate Siegel na fase adulta) e os gêmeos Luke (Julian Hilliard na infância e Oliver Jackson-Cohen na fase adulta) e Nell (Violet McGraw na infância e Victoria Pedretti na fase adulta).
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Os cinco primeiros episódios se concentram sobre as perspectivas e histórias de cada um desses filhos durante o período em que moraram na Residência Hill e depois disso. A série começa analisando o impacto do trauma daquela experiência em cada um deles e tem seu melhor momento ao medir essa realidade.
A pecha de “This is Us do terror " não é despropositada. Os traumas e conflitos emocionais, sejam eles íntimos ou familiares, estão no eixo central da série que viabiliza o terror como metáfora de traumas e dores emocionais.
A produção foca na repercussão emocional, afetiva e psicológica dos eventos daquele verão em todos os envolvidos e tira dessa contextualização os elementos de terror. A ideia de assombração e fantasmas ganha nova conotação – uma francamente arrepiante – no programa.
Desenvolvimento dos personagens
Steve virou um escritor de ficção que se apropriou do conturbado background familiar para alavancar sua carreira. Algo que instabilizou sua relação com os irmãos e o pai. A mãe, morreu na última noite da família na mansão e a resolução desse mistério é umas principais linhas narrativas dessa primeira temporada.
Shirley sente o peso de ser a irmã mais velha, já que Steve procura constantemente desviar-se dessa posição. Ela tem uma funerária com o marido. Theo tornou-se doutora em psiquiatria e atende crianças traumatizadas. Luke cedeu ao vício em heroína e se configurou em um transtorno para os familiares, enquanto Nell se tornou aquela que tentava unir todos. O pai afastou-se dos filhos desde os eventos daquele verão e as crianças foram criadas por uma tia.
Todos os personagens são tridimensionais e são flagrados em suas contradições e complexidades. Três atuações se destacam em um elenco em ótima forma. Kate Siegel, esposa de Flanagan, dá a sua traumatizada Theo uma resiliência admirável. É ela quem tem os melhores monólogos dessa primeira temporada. Violet McGraw, que para todos os efeitos é uma estreante, é a protagonista do melhor e mais surpreendente episódio deste primeiro ano, “The Bent-Neck Lady”. Ela consegue imprimir alma a uma personagem que praticamente só existe na perspectiva dos outros. Por fim, Lulu Wilson é uma revelação. Pesa sobre ela os momentos mais dramáticos e exigentes do arco protagonizado pelo elenco mirim e a atriz sai-se muito bem em relação a eles.
A elaboração do medo
Da fotografia à montagem, passando pelas atuações e roteiro, “The Haunting of Hill Residence” é um triunfo de realização incomum. É natural que desperte euforia similar à primeira temporada de “Stranger Things” que opera sob signos semelhantes.
Flanagan tem plena consciência de que apostar na sonoplastia para provocar sustos e na mera interposição de fantasmas é emular um terror superficial e efêmero. Justamente por isso ele adentra o psicológico de seus personagens com desprendimento e imaginação e acredita na capacidade de seu público traçar paralelos com os conflitos que prescindem de passados tenebrosos e mansões mal-assombradas para capitalizar dramaticamente. Por isso quando o susto vem, ele é tão poderoso.
O cineasta domina os artifícios do terror e não se submete aos clichês de gênero para praticá-lo, mas sim à coerência narrativa. Por isso, e por trazer seus personagens para o centro da ação, é tão eficiente na elaboração do medo, que é uma constante ao longo dos dez episódios deste primeiro ano.
O futuro da residência Hill
Em 1999 tivemos duas versões da obra de Shirley Jackson para o cinema. “A Casa Amaldiçoada”, com Catherine Zeta-Jones e Liam Neeson, e “A Casa da Colina”, com Fanke Janssen e Geoffrey Rush. Há outra adaptação datada de 1963. Nenhuma delas faz frente à versão de Flanagan.
É possível ter uma segunda temporada da série. O foco estaria na casa e não na família.
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Todavia, seria de bom tom que não houvesse. Por mais irresistível comercialmente que seja para a Netflix esticar o hype, “The Haunting of Hill House” é impecável como obra fechada. Uma produção de terror altiva, bem resolvida e que consegue conjugar beleza, tristeza e medo com uma desenvoltura ímpar na cultura pop. Como se isso já não fosse suficiente, a série se afigura como um drama familiar de 1ª grandeza.