Depois de criar um verdadeiro fenômeno cultural e se tornar o mais jovem vencedor do Oscar de direção com “La La Land – Cantando Estações” (2016), Damien Chazelle incumbiu-se de fazer um filme totalmente diferente na forma e no sentido. “Primeiro Homem”, que marca sua segunda colaboração com Ryan Gosling, versa sobre a trajetória de Neil Armstrong , o engenheiro e piloto que se tornou astronauta e foi o primeiro a pisar na Lua.
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O objetivo aqui é mais vasculhar o homem e menos investigar as circunstâncias daquela experiência tão singular na história da humanidade, ainda que “ Primeiro Homem ” se preocupe em aparar todas as arestas históricas.
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Formalmente este é um estudo de personagem. Por isso as primeiras cenas, em que mostram a traumática e irreparável perda da filha de Armostrong e Janet (Claire Foy) para o câncer, são cruciais para a devida compreensão do que é a nova empreitada de Chazelle. Este é um filme mais sobre a perda de Neil do que sobre suas conquistas e essa sensação se agiganta na doída e silenciosa cena final.
Olhando para o alto
O Neil Armstrong de Gosling e Chazelle é um homem quieto, até mesmo taciturno. Não é afeito a demonstrações de carinho para com a esposa e os filhos, mas é atencioso e presente. Impõe distância mesmo àqueles com quem compartilha de alguma intimidade, caso dos colegas e amigos que faz na NASA. Busca refúgio constantemente nas estrelas, como se o acalento para muitas de suas angústias estivesse além da atmosfera terrestre.
O longa abarca os conflitos familiares que a atribulada rotina de astronautas dos programas Gemini e Apollo, que atravessaram a década de 60, ensejam e também aborda as engrenagens políticas envolvidas. Armstrong, na visão do roteiro de Josh Singer baseado no livro biográfico de James R. Hansen (que chega às livrarias pela Intrínseca neste mês), desaprovava o uso político do projeto da Nasa, mas era um entusiasta desse avanço científico a despeito da crescente desaprovação popular. Um paradoxo que o filme falha em dimensionar.
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As panes de “Primeiro Homem”
Há outros problemas na produção. O assombro técnico da realização se faz notar. Chazelle filma como se estive nos anos 60. É um capricho, mas é também um apreço elevadíssimo pela ambientação mais factível e insertada possível. O virtuosismo técnico não se limita às balizas estéticas do filme, as missões e seus pormenores técnicos ganham relevo exagerado comprometendo o ritmo do filme que ora se afasta do exame de seu protagonista, ora se detém apenas nele.
Chazelle é um diretor talentoso e isso não escapa a quem assiste. Aliás, essa é a grande constatação que o filme enseja. Ou seja, ao colocar seus mecanismos como diretor em primeiro plano, Chazelle eventualmente esfria todo e qualquer impacto emocional que seu filme possa fomentar.
Ryan Gosling, um ator que sabe trabalhar personagens introspectivos com rara felicidade, é ofuscado por Claire Foy que pouco tem a fazer além de uma cena de alta voltagem emocional próxima ao clímax da fita.
Esse desequilíbrio é o grande fantasma do longa. “ Primeiro Homem ” é um feito notável do ponto de vista da realização formal, estética, mas muito mal conjugado em seus objetivos e emoções. Não chega a ser um revés para o cineasta e os demais envolvidos, mas interrompe particularmente a escala ascendente em que Damien Chazelle se encontrava.