Em um cinema de baixa tolerância ao risco e dominado por franquias e adaptações, dois subgêneros que fizeram muito sucesso nas décadas de 80 e 90 e até meados dos anos 00 estão desaparecendo. São eles a comédia romântica e o cinema de ação sem figuras superpoderosas. Esse artigo trata do segundo e tenta dimensionar como astros consagrados representam o último fôlego desse subgênero.
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Essa constatação é posta à prova pelos números do box office dos EUA atualmente. Na semana passada, Denzel Washington levou “O Protetor 2” para o topo das bilheterias norte-americanas. Washington não é um ator óbvio quando se pensa no cinema de ação , mas nos últimos anos tem se experimentado no gênero. Tanto o é, que “O Protetor 2” é a primeira sequência de sua carreira.
Neste fim de semana, o topo das bilheterias deve ser assumido por “Missão: Impossível – Efeito Fallout”, sexto exemplar da série protagonizada por Tom Cruise, astro que nos últimos anos só tem se dedicado aos filmes de ação .
Esse momento de brilho e domínio nas bilheterias dos EUA, no entanto, é cada vez mais raro. Primeiro porque o interesse do público se deslocou e os estúdios estão menos propensos a fazer filmes que não tenham uma base de fãs pré-estabelecida. Segundo porque há lapso de carisma e o cinema de ação em si não se renovou. Nos últimos 20 anos, apenas o britânico Jason Statham despontou como um ícone do gênero. E ele não é exatamente jovem. No último 26 de junho completou 51 anos.
O canto do cisne dos astros
Arnold Schwarzenegger percebendo a dificuldade de renovação no gênero voltou com a finalidade de retomar o reinado que era dele e de Sylvester Stallone , mas o Terminator viu seu poder de fogo escoar a cada novo filme. Desde que deixou o governo da Califórnia, seus projetos foram ficando cada vez menores e alguns deles, como “Maggie – A Transformação” (2015) e “Em Busca de Vingança” (2017), nem sequer foram distribuídos em cinema.
Para Stallone a vida não ficou mais fácil. O homem que idealizou a franquia “Os Mercenários”, um canto do cisne para os astros do cinema de ação do passado, sofre para emplacar projetos no cinema e ensaia uma nova ressureição de personagens icônicos como Rocky Balboa, que voltará na sequência de “Creed” (2015) e Rambo.
Figuras como Bruce Willis e Nicolas Cage continuam apostando no gênero e não se incomodam dos filmes que estrelam, todos de pequeno porte, não vislumbrarem êxito na tela grande – ou mesmo nem chegarem a ela. Dos oito últimos filmes de ação estrelados por Willis, apenas um foi exibido em cinema. A refilmagem de “Desejo de Matar”. Produções como “Loucos e Perigosos” (2017), “First Kill” (2017) e “Assalto ao Poder” (2016) foram lançados apenas em VoD.
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O fator Cruise
Tom Cruise decidiu ser um foco de resistência. Depois de perder um contrato de exclusividade com a Paramount se reaproximou do estúdio para que ambos pudessem sobreviver em uma era hostil a astros e empresas desprovidas de grandes franquias. Dessa maneira, ele revitalizou “Missão Impossível”, uma franquia que parecia destinada ao fim em 2006 – junto com o referido contrato de exclusividade – e a transformou em um culto ao cinema de ação que Hollywood parece não ser mais capaz de produzir. O fato de Cruise, também produtor da série, fazer as próprias cenas de ação dispensando dublês é só a cereja do bolo.
Mesmo com toda essa expertise, o teto de faturamento da franquia, cujos últimos filmes foram aclamados pela crítica, está na cada dos US$ 700 milhões globalmente. Bem menos do que “Jurassic World: Reino Ameaçado”, execrado pela imprensa especializada, que já superou a marca de US$ 1 bilhão em pouco mais de um mês em cartaz.
A esperança do cinema de ação
A crítica dá sinais de que sente saudades desse cinema de ação e parece afoita em incensar novos ídolos. É nessa toada que despontam figuras como Chad Stahelski e David Leitch, dois ex-coordenadores de dublês que juntos dirigiram a perola do cinema de ação “De Volta ao Jogo” (2014) e desde então estão enfileirando projetos que visam primordialmente resgatar esse subgênero em queda livre.
Não satisfeito em fazer o melhor filme de ação da década até o momento, Chad Stahelski foi lá e fez o segundo melhor. A sequência de “De Volta ao Jogo”. “John Wick: Um Novo Dia para Matar” é um deleite para os fãs de um cinema de ação casca-grossa, bem coreografado, estilizado e sem pudores em relação à violência. Na sua agenda estão, ainda, o terceiro “John Wick”, previsto para o verão americano de 2019, e uma refilmagem de “Highlander”, marco dos anos 80.
Já Leitch dirigiu “Atômica” (2017) e “Deadpool 2” e já se garantiu como uma referência no gênero. Gênero este que deve a Dwayne “The Rock” Johnson sua resiliência nas bilheterias. “Arranha-Céu: Coragem sem Limite” é um misto de filme catástrofe com filme de ação , mas ainda é um produto mais com a cara dos anos 80 e 90 do que dos anos 2010. A escala é gigantesca porque Dwayne Johnson ainda atrai as pessoas aos cinemas e o faz com filmes que se apoiam majoritariamente na ação.
O último fôlego de um gênero
Isso nos devolve a Denzel Washington . Dos últimos dez filmes estrelados pelo astro, sete foram de ação. É uma linha que já foi adotada, por exemplo, por Liam Neeson. Ultimamente o ator irlandês tem dado sinais de que se afastará do gênero em que foi figura recorrente e marcante desde 2008. Ainda assim, pôde ser visto este ano em “O Passageiro”, sua quarta colaboração com o diretor Jaume Collet-Serra.
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Neeson, 66 anos, Washington, 63, e Cruise, 56, são bastiões de um cinema de ação que parece fadado a desaparecer, mas que conseguem, diferentemente de Willis, Stallone e Schwarzenegger, realizar algo que remeta ao que já foi esse cinema, sem alienar um público que não se reconhece nele. Trata-se de uma engenharia mais complexa do que se imagina e que atesta que o cinema de ação vive uma transformação que talvez seja mesmo inevitável. Por mais triste que isso possa parecer no momento, o cinema – e a vida – são feitas de despedidas, redescobertas e novas fases.