A guerra da Síria pelos olhos de uma criança. A premissa, melodramática em si mesma, ganha vida no mais novo lançamento da DarkSide Books. “O Diário de Myriam” (320 páginas, R$ 39,90), escrito por Myriam Rawick com os préstimos do jornalista francês Phelippe Lobjois já está nas livrarias brasileiras.
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Lobjois, que tem vivência como repórter de guerra e já publicou outros livros, esteve no Brasil para promover o lançamento nacional de “O Diário de Myriam” e falou à reportagem do iG a respeito da obra, do trabalho junto a uma adolescente de 13 anos cheia de traumas e suas impressões do interminável conflito na Síria.
“De alguma forma, eu posso dizer que fui o elemento desencadeador dessas memórias, mas ela já estava escrevendo, então, eu fui apenas um impulsionador desse movimento pelo qual ela já estava vivendo”, observa o jornalista francês a respeito do processo que teve junto com Myriam. Ela tinha o hábito de escrever, portanto, e se lembrava de momentos. Ela gostava muito de falar também”, aponta Lobjois.
O coautor do livro conta que imediatamente teve boas impressões de Myriam e que ficou impressionado com a resiliência da garota. “Eu percebi muito rápido que ela tinha uma maturidade e que ela era uma pessoa dura, no sentido de resistente, além de ser proativa, ou seja, não estava totalmente submissa aos acontecimentos, mas ela também se colocava em posição ofensiva em relação a eles”.
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Lobjois recusa a ideia de ter contribuído mais enfaticamente à essência do livro . “Em momento algum, eu tentei intervir nessas lembranças ou nas tentativas de anotações. Na realidade, as minhas perguntas eram muito simples. Eram questões que envolviam o seu cotidiano, então, em momento algum, eu tentei perguntar, por exemplo, o que ela pensava sobre o presidente Bashar al-Assad ou sobre a guerra. Ela me trazia um conteúdo que estava ligado à sua infância”.
Ainda que resista à ideia de que a obra ofereça um painel, ou mesmo uma compreensão mais elaborada do conflito na Síria, o jornalista espera que ela desperte no público um maior interesse pelo momento que vive a Síria. “O livro mostra outra realidade, mas do ponto de vista de uma criança. O que eu gostaria que acontecesse é que esse testemunho ganhasse uma amplitude universal”, comenta. “Essencialmente, para mim, acho que haverá emoção, evidentemente, mas também uma curiosidade sobre a realidade de fato em Aleppo e também no país, que é desconhecida tanto por nós, europeus, e ainda mais aqui no Brasil”.
As faces de uma tragédia
Lobjois rejeita a comparação da tragédia humanitária que ocorre na Síria com o nazismo. É uma questão de dimensão, argumenta. “Estamos falando de 20 milhões de mortos pelo nazismo e neste caso, estamos com 300 mil mortos no Síria . Trata-se de uma guerra local, como foi também a da Iugoslávia. Seria um grande exagero uma comparação entre as duas tragédias”, pontua. Mas o francês compartilha do temor de que não haja uma solução fácil para o conflito, ainda que entenda que passe pelo interesse da Rússia na estabilidade da região uma saída menos traumática para a guerra civil.
Ao iG , o autor reconhece a importância do componente religioso no relato de Myriam. “Ela era, de fato, uma criança que tinha uma relação muito profunda com a religião. Isso se torna um fato essencial tendo em conta que além da questão étnica e territorial, a guerra na Síria se transformou igualmente em uma guerra religiosa. Quando os islamistas tentam causar a queda do Bashar al-Assad, se atacam aos grupos religiosos-étnicos que os apoiam, dentre eles, os católicos. Tiveram massacres na cidade e cristãos foram executados. A religião é um elemento profundamente enraizado nessas regiões”.
O francês admite que esse elemento causa estranheza ao olhar europeu, mas é essencial compreendê-lo para uma correta dimensão do conflito e isso está ensejado na obra.
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Indagado sobre qual o relato mais emocionante de “O Diário de Myriam” , o coautor aponta três. A memória da menina de quando teve que abandonar seu prédio e bairro. “O segundo testemunho é extremamente terrível, quando o prédio dela e o do lado são bombardeados em abril de 2015 se eu não me engano”, complementa. “O terceiro testemunho que eu achei contundente foi quando um padre pede a ela para perdoar e ela responde que jamais perdoará o que fizeram.”