Primeiro, foi “Vingadores: Guerra Infinita” com imagens no trailer que não foram exibidas no longa-metragem. Depois, foi a vez de “Deadpool 2” também mostrar que o que estava ali na prévia do filme não necessariamente estaria presente na continuação da história do anti-herói mais querido do cinema . Com tanta informação não dita, teria a cultura anti-spoiler chegado aos trailers e subvertido-os por completo?
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Aderlon Uchechukwu, 29, é fã de filmes de super-heróis, mas tem como seu vilão principal o spoiler . “Eu não assisto trailer, não vejo sinopse. Tudo o que eu vejo é por indicação. Gosto de evitar spoiler porque eu acho que na verdade tem histórias que não são boas o suficiente para aguentar um”, conta ao iG Gente .
Uchechukwu é tão categórico em relação aos trailers que sequer assiste a um antes de ir ao cinema. “Eu assisto trailer só depois de eu ter visto o filme até para saber quanto eu me salvei do trailer”, revela. Para ele, as redes sociais tornaram o spoiler mais frequente e todo cuidado é pouco ao navegar online.
Entretanto, não é apenas Uchechukwu que pisa em ovos ao procurar informações sobre seus filmes favoritos. Marcos Luiz Gomes, 22, também procura evitar qualquer informação que entregue “um pouco demais” a trama que está para estrear nas telonas. “Apesar de divulgadores de cultura nerd pop se dizerem contra spoilers eles acabam sendo a minha principal fonte”, comenta.
“É mais difícil evita-los, mas tento evitar ler as thumbnails dos videos dos seus canais. Não é algo extremamente obrigatório, mas em diversas situações os autores geram uma tensão narrativa que culmina em alguma resolução inesperada ou em uma nova perspectiva”, explica o físico.
Apesar de o medo do spoiler tomar conta dos fãs do univero geek, definir o que de fato é um já é uma tarefa mais complicada. A jornalista e youtuber Miriam Castro, conhecida pelo seu canal “mikann”, conta que, para ela, muito do que é dito nos seus vídeos nem sempre ela enxerga como um spoiler de verdade.
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“Tem gente que considera o que tem no trailer como spoiler e isso é bem complicado porque aí você não pode falar nada sobre o enredo do filme e você não consegue falar o que achou sem nada”, comenta. “Esse tipo de coisa eu não consideraria um spoiler, mas eu acabo escondendo nos meus vídeos às vezes porque eu sei que vai ter gente que vai reclamar”, completa a jornalista.
Trazendo à tona o caso de “Vingadores: Guerra Infinita”, Castro revela que acabou fazendo dois vídeos diferentes: um contendo o que ela acredita ser spoilers e outro não – tendo sido o primeiro, inclusive, com maior audiência.
A técnica também foi replicada em outras resenhas de séries, como a de “The Handsmade Tale”. Castro dividiu o vídeo em dois, tendo a primeira metade sem os spoilers e a segunda com um aviso de que, a partir dali, a discussão iria se aprofundar podendo trazer informações que o telespectador poderia ainda não ter tido acesso.
Se por um lado a cultura do anti-spoiler fez com que a youtuber criasse técnicas para falar sobre as séries e filmes no seu canal, que já conta com mais de 337 mil inscritos, o mesmo não se deu em relação aos trailers. “Ainda vemos muitos trailers que são a história do filme toda, mas o pessoal tem reclamado muito em filmes de super-heróis nesse aspecto”, opina Castro.
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Mas afinal, qual é a relação entre o spoiler e o trailer?
Marcos Azevedo, sócio fundador da Tatuí Filmes, trabalha na empresa há oito anos criando trailers para cinemas, spots de TV e peças para a web. Com uma bagagem de mais de 80 trailers, o montador revela o que, afinal, está por trás de todo o processo de colocar uma peça no ar.
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“Temos que pensar em como evitar essas pegadinhas e essas armadilhas. Uma delas é evitar spoiler, mas não é uma das maiores, mas a maior é pensar como vamos vender o filme da maneira mais possível a ampliar ao máximo o leque de pessoas para assistir”, conta Azevedo.
Segundo ele, um trailer precisa atrair pessoas e, para isso, podem ser utilizados diversos elementos, como a história, valor da produção, grandiosidade do projeto, se é um filme de época ou até mesmo se o elenco é o ponto mais atrativo da obra.
“Por exemplo, acabamos de lançar 'Mulheres Alteradas', que é um filme que tem um elenco principal baseado numa historia de quadrinhos de uma autora argentina e um elenco feminino muito forte. Então, a preocupação foi dar destaque para o elenco”, conta.
Azevedo ainda revela que o segredo de montar um bom trailer é identificar o que tem de vendável em um filme e apresentar o conflito, mas sem deixar evidente quais que são os conflitos finais de cada obra.
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Trazendo à tona o caso dos “Vingadores: Guerra Infinita”, que [cuidado com o spoiler] mostrava uma cena com Hulk na batalha de Wakanda que não apareceu no filme, Azevedo é categórico: “Não é raro que tenha cenas que não aparecem no final e às vezes isso se deve ao fato de que não há corte fechado do filme”, comenta.
Segundo ele, há outros exemplos clássicos dessa situação na cultura pop, como “Rogue One”. “Investiram não apenas em cenas que não estavam presentes, às vezes elas eram diferentes. Nesse filme houve uma série de problemas e tiveram que trazer novo diretor, então o corte acabou mudando. A campanha já estava na rua, mas sem o corte fechado”, revela.
Apesar dos longas metragens dos Estados Unidos estarem suscetíveis a este tipo de situação, no Brasil a realidade é outra. Segundo Azevedo, as produções cinematográficas no País começam a ter suas divulgações nas ruas quando o filme já está pronto e fechado, impedindo que cenas que não foram para o filme acabem caindo no trailer.
O futuro dos trailers
Ainda que muita gente reclame das redes sociais por conta dos spoilers, Azevedo prevê que a produção de conteúdo para as plataformas só tende a aumentar. “Por mais que você tenha essa galera mais ‘hardocre’ que não quer saber de nada, isso é pouco. A grande maioria está muito interessada e acho que a melhor maneira é ficar atento, saber o quanto você pode revelar e tentar manter em mente a sua preocupação que é vender ingresso”, opina o montador.
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Segundo ele, as redes sociais também trouxeram a oportunidade de abundância de peças de divulgação, o que acabou tornando-se uma demanda. “Cada vez mais as distribuidoras pedem pra fazer pílulas, como depoimentos dos elencos, por exemplo”, comenta, relembrando o caso de “Deadpool 2” em que a divulgação foi bem além dos trailers e teasers.
Em 2014, por sua vez, a AMC (Associação Nacional dos Proprietários de Cinema, em tradução livre) dos Estados Unidos divulgou uma diretriz de que os trailers deveriam ter no máximo dois minutos e só poderiam ser exibidos a partir de cinco meses antes da estreia. A medida, por sua vez, foi tomada por conta das reclamações das imagens serem longas demais revelando muito da trama.
“Acho que o que acontece foi um fenômeno que começou há uns quatro anos com essa demanda de produção de conteúdo. Surgiram peças mais longas principalmente em eventos como a Comic Con, para privilegiar essa fanbase mais hardcore”, comenta. “Então começamos a ter material exclusivo de 4 minutos, uma cena inteira. E acho que começaram a perceber que isso vaza, gerando também uma reação para voltar ao formato antigo, a duração padrão de 2 minutos”, completa o montador.
Além disso, segundo Azevedo, é mais lucrativo para os cinemas que os trailers possuam menos tempo, pois assim é possível ter um maior volume de exibição de imagens nas salas de cinema e, consequentemente, seja mais lucrativo para as propriedades.
Se a relação dos trailers com o spoiler vai mudar no futuro, pouco se sabe, mas com certeza ainda tem muito conteúdo de filmes para serem publicados por aí.