A Argélia que surge em “A Natureza do Tempo”, filme que marca a estreia de Karim Moussaoui e integrou a mostra Um Certo Olhar do festival de Cannes em 2017, é desértica e repleta de ruínas. Trata-se de um amparo visual sagaz para o que o diretor, também responsável pelo roteiro, desenvolve com seu filme.
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São três histórias paralelas que pautam “A Natureza do Tempo” , elas eventualmente se encontram, mas sem a incumbência de proporcionar qualquer catarse. A ideia aqui parece ser remontar a complexidade das relações humanas em um contexto específico da sociedade árabe moderna.
A Argélia é um país majoritariamente islâmico e ainda que a religião não seja o motor do filme, sua presença é etérea e ressonante. Eis um país patriarcal e a maneira como o masculino e o feminino se relacionam – e se chocam – interessa particularmente ao olhar de Moussaoui.
Temos o empresário Mourad (Mohamed Djouhri), um empresário em dificuldades financeiras preso a dois relacionamentos com mulheres radicalmente distintas. A sua ex-mulher, que demanda que ele dê mais atenção a seu filho, e a nova mulher, uma francesa com dificuldades de adaptação à cultura e costumes locais e que parece ter baixa tolerância à falta de atenção do marido.
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Já Djalil (Mehdi Ramdani), motorista de Mourad, se envolve com uma mulher que está de casamento marcado e o arco é particularmente incisivo dos conservadores e enrijecidos padrões sociais argelinos. Há, ainda, Dahman (Hassan Kachach), um neurologista que se impacienta com rumores de que esteve envolvido em um estupro coletivo. Ele decide, então, confrontar a mulher que o acusa de participar desse ato hediondo.
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A oposição entre masculino e feminino é o elo a ligar as três histórias, ainda que os personagens frequentemente se esbarrem. É o painel desolador de uma Argélia em que o moderno e o arcaico se confundem que interessa ao cineasta. “A Natureza do Tempo” é, portanto, uma crônica, uma autoanálise de um cinema que insiste em puxar toda uma sociedade para frente.