“Você é responsável pelo amor que suscitou”, dispara Elle (Eva Green) para uma frágil Delphine (Emmanuelle Seigner) em um dado momento de “Baseado em Fatos Reais”, novo filme de Roman Polanski, lançado no Brasil pela Paris Filmes . O longa-metragem está distante do topo de qualidade da filmografia do cineasta, mas ainda assim se prova um exercício sofisticado de narrativa e estilo. Principalmente para aqueles familiarizados com a trajetória do franco-polonês.
Leia também: Anticlimático, "Arábia" ganha força dramática ao observar a tragédia do banal
Delphine é uma escritora de sucesso, cujo obra mais ressonante de sua carreira fora um romance muitíssimo pessoal dedicado a sua mãe que lhe amargura e angustia desde então. É por conta deste livro que ela conhece Elle, que se insere na sua vida com violência emocional e psicológica. “Baseado em Fatos Reais” remete aos suspenses dos anos 80 e 90, mas também se ocupa de elaborar a respeito da percepção de verdade e do valor a ela atribuído pelo que se está escrito.
O namorado de Delphine, Raymond (Vincent Perez), é o apresentador de um programa de TV sobre literatura e, embora perceba que Delphine está um tanto desestabilizada, prefere manter o cronograma de suas viagens para a nova temporada do programa. É nesta lacuna que Elle vai se apropriando de Delphine e Polanski, com os préstimos de Olivier Assayas , que aqui assina o roteiro, vai desvelando uma trama que aborda a construção de identidade. Não é à toa que o filme lembra “Acima das Nuvens” (2014), filme de Assayas com Juliette Binoche e Kristen Stewart.
Você viu?
Leia também: Aos 50 anos, “2001: Uma Odisseia no espaço” continua sendo referência no cinema
Jogo de cena
Tanto lá como cá, há atrizes com farto material dramático em grandes momentos de suas carreiras. Eva Green já demonstrou competência ímpar na abordagem de personagens sensuais com certo ar sinistro como mostram seus trabalhos em “Os Sonhadores”, “Cassino Royale” e “Sin City – A Dama Fatal”, enquanto que Emmanuelle Seigner, casada com Polanski na vida real, tem se provado uma musa inspirada e inspiradora, como atesta sua performance em “A Pele de Vênus” (2013).
No longa, a interação entre as personagens precisa ser tenra , passional, tensa e as atrizes dimensionam isso muito bem e conseguem diluir alguns equívocos de roteiro como algumas pistas que Polanski e Assayas jogam para o público de maneira pouco coesa e que não sustentam por inteiro a virada final que marca o filme e pretende ressignificá-lo.
Por que Baseado em Fatos Reais?
Elle surge como uma ghost writer, uma profissão das sombras, já que o escritor fantasma escreve livros – geralmente autobiográficos – pelos quais não assume o crédito. Não é a primeira vez que esta figura surge no cinema de Polanski. Em “O Escritor Fantasma” (2010), um dos melhores filmes de sua filmografia, Polanski ataca a especulação midiática e as faces de um escândalo. Não à toa foram feitas relações entre o tom e narrativa do filme e o caso em que Polanski fora condenado por estuprar uma menor de idade.
Em “Baseado em Fatos Reais”, o cineasta volta a falar de como a postulação da verdade pode ser violenta e complexa. “O escritor sempre filtra suas experiências para criar”, diz Elle em outro momento do filme em que se dedica a convencer Delphine a escrever seu próximo livro inspirada por algo de sua vida. Uma criação arrojada de uma personagem livre, bruta e insofismável que parece dizer coisas que Polanski talvez dissesse.