Um dos símbolos mais famosos do universo geek, o Superman foi um dos primeiros heróis das histórias em quadrinhos. Além disso, se tornou o mais conhecido e difundido entre o público nerd. Não só isso: o personagem se tornou um verdadeiro símbolo para os norte-americanos. E esse conceito de super-homem, um ser que está além de seu tempo, com habilidades incríveis e que estivesse além dos limites do tempo e do espaço, surgiu de uma definição filosófica.
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Quando Nietzsche cravou o conceito de Übermensch, o além-homem ou super-homem, ele jamais poderia imaginar que estaria ajudando a criar o Superman dos quadrinhos anos mais tarde. Não só isso, o Superman se tornou uma referência para várias gerações - e influenciou um padrão de "cidadão modelo" adotado, ainda que de forma insconsciente, por milhares de pessoas ao redor do mundo.
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E por que um super-herói é capaz de influenciar a sociedade dessa forma? Para Santiago Pontes, professor especialista em Filosofia, há influências tanto positivas quanto negativas. "Positivas no sentido de ter o herói como referência, mesmo sendo um sujeito idealizado é importante que haja um alvo a ser seguido, uma meta a ser alcançada. Porém, ao esteriotipar o forte, pode ser gerado o espírito de soberba e 'nariz em pé', que por considerar-se forte acaba por se considerar superior aos demais", explica.
Pontes também atribui essa relação a uma carência que da sociedade. Ao idealizar um ser supremo que combata o crime, transparece uma falta de esperança ou a carência e necessidade da sociedade em solucionar conflitos como a violência e as injustiças.
Norte-americano médio
Mais ainda. Ao cair em uma fazenda no sul dos Estados Unidos, quando deixou seu planeta Krypton, ele construiu-se como o norte-americano sulista, criado pela família Kent. Porém, o que poderia acontecer caso ele caísse em outros lugares ao redor do mundo? Éric Machado, publicitário e grande fã do homem de capa vermelha e cueca por cima da roupa, tem algumas teorias.
"Essa é uma abordagem até levada em consideração em algumas histórias, em como o superman é tanto o produto de seu meio quanto molda o seu redor. Em "Entre a Foice e o Martelo", por exemplo, ele é soviético e reflete aquela geração, aquele povo. Mas, da mesma maneira, já foi abordado como latino e imigrante, crescendo em meio à violência que o povo fronteiriço sofre, sendo um reflexo mais brutal de sua contraparte bucólica nascida em Smallville. Ele cresce sempre como o melhor e o exemplo daquilo que foi seu meio, se tornando, Übermensch, o grande homem de seu tempo", teoriza Machado.
Pontes, apesar de acreditar que os supervilões enfrentados em Smallville seriam os mesmos, também acredita que o local de sua queda influencia suas características e da sociedade ao seu redor. O professor chega a imaginar como seria um super-herói jamaicano, brasileiro ou mesmo japonês.
"Geograficamente, o lugar da queda explica muito este anseio pela perfeição, afinal estamos falando dos norte-americanos. O retrato de um homem dedicado ao trabalho, e quase sempre está lá, quando que por um chamado ou percepção se vê obrigado a ajudar ao outro. De certa forma, ele só consegue ser o seu verdadeiro eu quando foge do trabalho, só consegue ajudar aos outros quando não está na labuta, fazendo uma breve alusão ao capitalismo. Dessa forma, esse mesmo capitalismo, que dá a esse povo do norte um ar de superioridade, pois o dinheiro traz mais investimentos em armas, indústrias, ciência, educação, etc, proporciona essa visão exacerbada de perfeição, força, nacionalismo (roupa com as cores da bandeira), ou quase isso, em relação ao 'resto do mundo'", explica.
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De onde vem o mito?
"O ser humano, tal como descreveu Platão através da teoria do Eros (querer o que não tenho - desejo), sempre buscou um ideal, uma perfeição ou talvez uma solução para os seus problemas. O superman, como uma figura que tem uma super força, pode voar, além de poderes extraordinários, tem a capacidade de reunir em si as qualidades que os humanos gostariam de ter, mas não têm. Talvez, sejamos atraídos por esse desejo", suspeita Pontes.
Desejo esse que acompanha a humanidade há séculos, e consta nas obras de diversos filósofos ao redor do mundo. Além de Nietzsche, Joseph Campbell também teorizou, no século XX, "O Homem de Mil Faces", que seria uma espécie de caminho para qualquer indivíduo que deseja alcançar o seu ápice. Ele também estudou as tradições de retratar os super-heróis como deuses da mitologia para formar um quadro objetivo que a humanidade já seguiu por toda a história registrada e explicou como o “herói” compartilha tantas semelhanças, independentemente da geografia ou tempo.
"Nós almejamos isso de nossos ídolos: suas dores, suas virtudes, sua invulnerabilidade, sua mitologia. Então espelhamos isso em nossos desejos. Todos querem voar. Não apenas a sociedade, todos precisamos de heróis. E de heróis próximos de nossa humanidade, que possamos tentar aproximar nosso caminho. Não queremos a imortalidade de um deus. Queremos o que os deuses invejam, queremos a eternidade que apenas os humanos conquistam através de suas virtudes, construções e história. E os heróis dos quadrinhos são muito próximos de nós por refletirem nosso mundo. Sua proximidade do mundano torna possível à toda criança o sonho de voar. Ou ser admirado por fazer o bem", explica Machado.
O cinema
Apesar disso, mas não só por causa disso, o herói ficou extremamente famoso nos quadrinhos, tendo seus arcos de história aproveitados para o cinema. Porém, nas representações do cinema, há pouco de humanidade representada nele - isso é mais visto em seu alter ego e disfarce, Clark Kent. Vale sempre lembrar que cinema e o universo dos quadrinhos trabalham em métricas diferentes, e nem sempre as transposições das histórias entre esses meios são perfeitas.
Nos filmes em que o super herói aparece, quase não há cenas em que ele seja capaz de demonstrar seus medos, suas inseguranças, suas falhas. É isso, em seus filmes, o Superman apenas não falha. Sua única fraqueza é a Kryptonita. Apesar de haver tanto pesar na humanidade é importante explicitar como as pessoas e os heróis superam as suas dificuldades. Por ser um além-homem, ele não sofre por amor ou por gripe. E nem pelas falhas da humanidade. Ao contrário, há quem diga que ele zomba dela...
Zombando da humanidade?
Um diálogo entre Bill e sua noiva no final de "Kill Bill: VOL II", do cineasta Quentin Tarantino, traz uma teoria interessante sobre Clark Kent e o que ele realmente representa para o super-herói - muito mais que um simples disfarce.
"Superman não se transforma em Superman… Superman nasceu Superman. Quando o Superman acorda de manhã, ele é o Superman. Seu alter ego é Clark Kent. Seu uniforme, com aquele grande S vermelho, sua manta que o cobria quando foi encontrado pelos Kent… estas são as suas roupas. O que o Clark veste, seus óculos, suas roupas… este é o seu disfarce. Este é o disfarce que o Superman usa para se misturar conosco. Clark Kent é como o Superman nos enxerga. E quais são as características de Clark Kent? Ele é fraco. É inseguro. É um covarde. Clark Kent é a crítica do Superman a toda raça humana."
Essa, porém, não é a única teoria que ronda o mito do homem mais poderoso do mundo (que, na verdade, não é um homem. É um alienígena que foi tornado humano). Pontes acredita que o Clark Kent foi pensado para trazer toques humanos à história, além de ser um meio de autoafirmação do personagem. " Clark, ao mesmo tempo que é a negação da liberdade, do afundamento no trabalho, do humanismo (apaixonar-se, irritar-se, cumprir horários...), é, ao mesmo tempo, a afirmação dela própria, visto que, como dito anteriormente, é pelo trabalho que homem americano se sente superior ao demais, por se sentir útil e produtivo", explica.
Também vale a lembrança de que o jornalista serve como um alter ego para o além-homem, aquele que expressa todas as suas características humanas e que lhe permite abraçar a humanidade. E que, ao contrário dos outros grandes nomes da figura dos quadrinhos, ele não se tornou herói. Superman nasceu herói e se tornou humano. Seu uniforme, com o grande S vermelho no peito, foi feito a partir da manta em que fora encontrado quando caiu na Terra.
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"Os alter egos dos super heróis sempre são para protegerem suas personas humanas de seus poderes, suas figuras divinas ou heroicas. Bruce Wayne se esconde no Batman. A diferença é que a situação é inversa para superman. Clark kent é a identidade secreta de um quase Deus. Ele precisa ser próximo de seus pares adotivos e adotar sua humanidade. E para isso castra suas virtudes sobre humanas, deixando apenas visíveis suas qualidades ditas virtuosas a um homem grandioso : bondade, caridade, inteligência, temperança, diligência. Logo, sua identidade secreta não é o herói, é o homem. E sua deidade é tão distante da realidade humana que responde à pergunta 'por que diabos ninguém nota que o Clark Kent é o superman de óculos?'. A resposta é: nenhum homem poderia ser Superman", finaliza Machado.