É difícil não sair um bom filme quando se tem em mãos um roteiro não menos do que brilhante. O dramaturgo Martin McDonagh sabe bem disso e com o seu melhor roteiro para cinema oferta com “Três Anúncios para um Crime”, vencedor do prêmio do público no último festival de Toronto, seu melhor filme. Trata-se da primeira produção a capturar a essência da América de Trump .
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Esse é um filme sobre raiva. Ressentimento. Dor. Perda. Mildred Hayes ( Frances McDormand ) decide alugar três outdoors na saída da cidade de Ebbing em Missouri, sul dos EUA, para provocar o chefe de polícia local, Bill Willoughby (Woody Harrelson), a quem responsabiliza por ainda não ter prendido nenhum suspeito do estupro e assassinato de sua filha há sete meses. Ocorre que Willoughby está com câncer e para morrer e a cidade toda gosta do xerife e toma partido dele. Essa premissa que esconde muitas camadas em sua aparente simplicidade move “ Três Anúncios para um Crime ”, um dos filmes mais importantes da década.
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Em uma cidade que todo mundo se conhece e se julga e que a brutalidade faz parte da ordem do dia não surpreende que um dos policiais de Willoughby seja Jason Dixon (Sam Rockwell), um sujeito racista, misógino, com algum traço de deficiência mental e que mora com a mãe.
Da serenidade que a perspectiva da morte oferta à inadequação em face da culpa, passando pelo ódio ruminado que às vezes parece ser tudo que nos resta, o filme de McDonagh desconstrói seus personagens para examinar com espantosa retidão um país dividido e enfurecido. A potência dramática – e há cenas de grande impacto emocional aqui – convive harmônica e complementarmente com um humor negro que nos resgata da letargia e desloca nossa bussola moral.
Os dois primeiros filmes de McDonagh, “Na Mira do Chefe” (2008) e “Sete Psicopatas e um Shih Tzu” (2012) já revelavam que o britânico levava jeito para o cinema, mas nada nos preparou para a força cinematográfica que é este seu terceiro filme. Há cenas memoráveis, personagens cheios de nuanças e defendidos com destreza e entrega por atores inspirados e um todo que se ressignifica de acordo com as vivências e convicções de quem o assiste.
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Entre tantos méritos, o mais distinto que cabe a “Três Anúncios para um Crime” é capturar esse momento tão singular da América, mas também do mundo, de tendências isolacionistas, de um radicalismo incontido e de muita e constante frustração. A melancolia patenteada pelo início persevera até o final, mas há algo novo e é ele o responsável por uma das insolventes belezas do cinema em 2017.
A última exibição de "Três Anúncios para um Crime" na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ocorre nesta quinta-feira (26), às 19h30, no Reserva Cultural.