A estreia de Marcelo Caetano no cinema é tão oxigenada e reverberante como poderia se esperar de alguém que trabalhou na produção de filmes como “Boi Neon” , “Mãe Só Há Uma”, “Aquarius” e “Tatuagem”, alguns dos filmes mais pungentes, representativos e entusiasmantes do cinema nacional recente. “Corpo Elétrico”, como entrega o instigante título, se deixa percorrer por uma eletricidade nova, original, criativa e dá sequência à boa safra patrocinada pela distribuidora Vitrine Filmes.
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“É um filme sobre desaguar”, filosofa o diretor em papo com a reportagem do iG . “Porque desaguar é um movimento de resistência, né?” Elias, personagem central de “Corpo Elétrico” , tem 23 anos e está naquela fase de explorar sua sexualidade em busca de uma identidade em uma cidade que não é a dele. A cidade é São Paulo. Ele trabalha como designer em uma fábrica de vestuário e vive em constante flerte com outros homens. O paraibano vai se construindo a partir desses encontros, dessas histórias. Aos poucos, vai se fascinando pelo universo drag, o qual entra em contato por meio de um colega com quem faz sexo casual.
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“A ideia do encontro é central no meu trabalho”, relata o diretor. Ele conta que apesar da estrutura do roteiro ser bem definida, há muito espaço para o que chama de coautoria. A “carne” da cena é algo que só se materializa com as experiências que os atores trazem na bagagem e com os ensaios. “Eu e o Gabriel (Domingues, que também assina o roteiro) íamos anotando, repetindo e nos abrindo para o acaso”, recorda.
A presença do corpo, do desejo, do clamor por pertencimento, pelos cheiros e odores é algo muito vivo, forte no filme de Caetano. Indagado pela reportagem sobre essa similaridade estética com “Tatuagem”, filme de Hilton Lacerda em que foi diretor assistente, o cineasta reconheceu a influência, mas a minimizou: “Hilton teve uma participação periférica. Muito do argumento que desenvolvi com ele não chegou ao roteiro que escrevi com o Gabriel. Mas as ideias de subverter, da lógica da solidariedade estão lá”. Ambos os filmes se irmanam nesse clima de afrontamento a paradigmas sociais relacionados ao gênero e à sexualidade. “Corpo Elétrico” talvez seja menos político em suas elaborações, se é que isso é possível em um cinema que já se pretende um ato politizado.
Egresso da potente cena de curtas-metragens nacionais, Marcelo Caetano celebra o bom momento dessa turma que está lançando seus primeiros longas e já projeta o futuro. No começo de 2019 deve começar a filmar “Baby”, que terá como foco a relação entre pais e filhos, com a temática da homossexualidade a tornear os conflitos.
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O desafio será criar um personagem tão intenso e memorável como Elias, que monopoliza o olhar da audiência em “Corpo Elétrico”. “É um personagem marítimo que está preso nessa cidade sem mar, que é São Paulo”, concorda Caetano. Trata-se de um cinema que antes de qualquer efeito político, transborda em sensibilidade.