O ano era 1980 e o distrito de Pirituba, na periferia da Zona Oeste da cidade de São Paulo, via nascer o que seria um dos grandes expoentes do rap brasileiro. A Rapaziada da Zona Oeste, mais conhecidos como RZO, deixou um grande legado para o universo da música, não só pelo seu trabalho incisivo e reverente como também por terem apoiado a revelação de artistas como Negra Li e Sabotage, que acabaram seguindo carreira solo mais tarde. Depois de anunciarem uma pausa em 2005, dois anos após “Evolução é Uma Coisa”, o grupo acabou se reencontrando quase dez anos mais tarde e, agora, está lançando mais um álbum significativo para o rap brasileiro: “ Quem tá no jogo ”.
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“É mais um desafio, é outra era. Hoje as coisas são mais acessíveis, temos muita gente fazendo bons trabalhos. A gente gosta desse desafio, de jogar esse jogo, por isso o álbum ‘quem tá no jogo’”, afirma DJ Cia, integrante do grupo RZO em entrevista concedida ao iG sobre o novo trabalho. O álbum, lançado nesta sexta-feira (02), conta com a participação de diversos rappers do cenário atual, como Criolo e Rael, além da volta de ícones do RZO como Negra Li, e nomes de outros estilos musicais, como o cantor de reggae Júnior Dread. “Essa interação com os músicos hoje traz essa evolução para o rap no sentido musical porque é uma soma de conhecimentos a musicalidade deixa a música bonita, com mais elementos musicais”, opina DJ Cia, que acredita estar vivendo em uma fase de evolução do rap.
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Apesar de o ritmo ter se mesclado com outras áreas da música e ter inovado no seu próprio universo, os temas a serem tratados pelo grupo, entretanto, infelizmente permanecem os mesmos. “A semelhança [entre o último álbum e o atual] são os problemas abordados em nossas letras. A questão das chacinas voltou, os problemas com a polícia... São vários problemas que atingem as pessoas, muitos assuntos ainda dos anos 1990”, comenta Helião. “Tanto que nós temos músicas de anos atrás que nós só encaminhamos e atualizamos musicalmente e na linguagem, mas é o mesmo assunto que de 20 anos atrás e que serviu pra hoje”, completa o rapper.
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As armas que matam, a primeira canção do novo álbum, por exemplo, traz à tona a violência policial, urbana, o comércio de armas e a questão do desarmamento no país, que trazem como consequência o Brasil como um dos países que mais mata jovens – principalmente nas favelas, como afirma a música. Segundo o rapper, o cenário atual tem afetado diretamente a vida do povo e este seria o momento ideal para que o rap levantasse a sua voz.
Apesar de trabalhar com a temática do racismo, da violência, desigualdade social e entre outros temas tão recorrentes na realidade brasileira, o RZO procura elaborar as suas canções de forma que toda essa dureza do cenário social possa ser transformada em arte. “Na verdade teve muito trabalho, muita pesquisa por trás disso porque esses assuntos não são agradáveis, então a gente tem que usar do nosso talento, da musicalidade para fazer tudo isso ficar bonito para chegar aos ouvidos das pessoas”, comenta Helião. “Os artistas têm que estar mais interessados, têm que chamar essa responsa no peito e nosso publico está passando por isso e nós também. Somos povão também”, completa.
Futuro do Rap
Em 2016, uma inciativa inédita no Brasil do Spotify chegou ao universo do Rap. Com inteligência artificial, a canção “Neural” pode sair do papel em uma parceria inédita do RZO com o rapper Sabotage, no mesmo ano do lançamento do seu álbum póstumo, que teve canções com DJ Cia e Sandrão. “Sabotage já era um cara vivido. Ele morava na periferia então as letras dessas pessoas com um pouco mais de vida difícil são letras de reivindicação de direitos”, comenta DJ Cia sobre a importância do projeto.
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Com essa nova tecnologia que reaproxima ícones do movimento – e que entusiasma a Rapaziada da Zona Oeste – as palavras de Sabotage voltaram no momento de efervescência da nova escola do rap, que apesar das críticas, o grupo acredita que tem muito ainda a ensinar. “Os meninos da nova quando eles são convocados tem compromisso sim. Quando alguém pensa em planejar e convocar a gente vê muito grupo na periferia. Tem que organizar essas pessoas que estão prontas pra a luta”, comenta Helião. “Existem vários MCs novos, a molecada é boa de performance, os caras conseguem. Eles sabem o que estão fazendo, tem muito talento aí tá somando com tudo isso, a gente gosta disso”, reflete.
Agora com o novo álbum lançado, o RZO promete continuar na ativa, lançado novas músicas, bolando novos formatos de shows que possam englobar as mudanças musicais, acompanhar a rapidez das informações e, acima de tudo, manter o compromisso com o rap. “Não desperdiçamos o tempo. Eu já ouvi músicas que falam justamente o que eu queria estar falando e a gente fica contente de ouvir. A gente é publico também e estamos aí na periferia, na favela, nos bairros”, conclui Helião.