Acessível, gratuita e com um catálogo diversificado, a pornografia é com certeza uma das grandes formas de entretenimento dos internautas. Entretanto, seu conteúdo muitas vezes é considerado controverso, seja pela indústria ser constantemente acusada de violência contra a mulher ou por ser um dos primeiros contatos de muitos jovens com o sexo, criando então um imaginário problemático em relação à sexualidade . Contrário à exibição desse tipo de conteúdo na internet para crianças e adolescentes, o deputado Marcelo Aguiar (DEM) propôs um projeto de lei (6449/2016) em 2016 que ganhou notoriedade no início deste ano. O texto obriga as empresas operadoras “a criarem sistema que filtra e interrompe automaticamente na internet todos os conteúdos de sexo virtual, prostituição, sites pornográficos”.

O projeto de lei mais debatido nos últimos meses procura interromper a exibição de conteúdos com pornografia na internet
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O projeto de lei mais debatido nos últimos meses procura interromper a exibição de conteúdos com pornografia na internet

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“Do lado educacional, acredita-se que a facilidade de acesso à pornografia e o tabu que ainda envolve a sexualidade está transformando o pornô na base da educação sexual dos jovens de hoje, com uma série de efeitos indesejados”, justifica o deputado no projeto de Lei. Apesar de tentar remediar um dos problemas relacionados à pornografia, a proposta não escapa de críticas. “O projeto de lei do deputado aborda um pouco na justificativa a questão dos jovens e não é isso que tá escrito no projeto de lei dele. Se tivesse uma preocupação exclusiva com isso, ele teria que elaborar o tipo de controle”, rebate Isabela Del Monde, advogada especialista em Direito Digital. “Eu entendo que haja uma violação da neutralidade da rede pedida no artigo 9 do Marco Civil da Internet, que determina que os provedores não podem fazer um julgamento do tipo de conteúdo a ser exibido e trafegado”, completa.

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Atualmente, não há uma legislação em vigor que interfira na exibição de pornografia na internet, exceto o artigo 21 do Marco Civil, que trata dos vídeos íntimos não autorizados. “O principal problema com a pornografia é a pornografia não autorizada, que foi feita em determinado contexto, que caiu na internet sem autorização, normalmente acontece contra a mulher e já tem projetos de lei que criminaliza esse tipo de conteúdo”, explica a advogada. “O que a gente tem hoje, por exemplo, é a legislação relativa a conteúdo audiovisual que tem uma classificação etária, para garantir a segurança das crianças que estão em fase de desenvolvimento, mas basicamente é a nossa restrição ao conteúdo”, completa.

A reportagem do iG entrou em contato com o Deputado Marcelo Aguiar para esclarecimentos, mas até o fechamento desta matéria não obteve respostas do autor do projeto de lei.

Conflito de interesses                                                

Para a advogada, a questão do bloqueio de conteúdo pornográfico entra em conflito com outros diretos assegurados na legislação brasileira. “Mais que uma invasão de privacidade o que está em jogo é a liberdade de expressão e de pensamento. O conteúdo pornográfico por mais que questionemos, é autoral, tem atores, produtores e o projeto está infringindo a liberdade de criação também neste caso”, explica.

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“O bloqueio é muito delicado porque ele abre margem para bloqueios de qualquer conteúdo. Temos que tomar muito cuidado com qualquer tipo de bloqueio, porque ele abre brecha para interpretação judicial quem vai aplicar a legislação é o juiz e qual a valoração que o juiz vai dar para conteúdo? Que tipo de conteúdo é a pornografia? E se for conteúdo de arte, de protesto, de denuncia?”, questiona a advogada. “É delicadíssimo seguir pra esse caminho porque abre portas para um momento de censura”, completa.

Educação sexual

O debate acerca da influência da pornografia na educação sexual ganhou notoriedade em sites de pornografia, como o PornHub. Maior produtor de conteúdo do segmento, em fevereiro deste ano, uma nova sessão foi criada no site dedicada à saúde sexual, sob o comando da sexóloga Laurie Betito. O “Sexual Wellness Center” (“Centro de Bem-Estar Sexual”, em tradução livre), consiste em vídeos explicativos e textos a respeitos de questões como DST, sexo consentido e saúde reprodutiva, por exemplo.

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Sexóloga Laurie Betito em vídeo explicativo

“Isto foi um esforço colaborativo. Eu estava procurando uma maneira de conversar mais com as pessoas sobre sexualidade saudável e eles estavam com um projeto assim”, comentou a profissional em entrevista concedida ao iG . Segundo ela, o site alcança o número de 70 milhões de visitantes por dia do mundo inteiro. “Assim que o site entrou no ar, nós começamos a receber muitas perguntas. Na primeira semana, nós recebemos mais de 300 perguntas. Nós também recebemos muitos e-mails de todo o mundo parabenizando a gente e nos contando o quanto é necessário um site assim”, revelou Betito.

“Apesar de eu não ter todas as estatísticas dos usuários, eu posso dizer que muitas pessoas que estão escrevendo para nós são adolescentes. Desde que nós soubemos que pessoas jovens também assistem à pornografia, nós queremos ter a certeza em incluir básicas informações também”, afirmou a sexóloga. “Quando pessoas jovens vão ao pornô para educação sexual, aí então começamos a ter um problema. A maioria das pessoas que assistem pornô não são usuários problemáticos. Entretanto, tem um segmento da população que usa isso compulsivamente e realmente tem um problema com isso”, defendeu Betito.

Canadense que frequentemente participa de eventos nos Estados Unidos, Laura afirmou que em seu país de origem não há propostas do governo semelhantes, mas que nos Estados Unidos alguns estados já debateram a questão de maneira legislativa.

A posição da pornografia na sociedade

Atualmente, o projeto de lei do Deputado Marcelo Aguiar continua na Câmara dos Deputados e foi anexado a outro projeto de lei (5016/2016), do deputado Célio Silveira (PSDB /GO) que busca alterar a legislação e obrigar empresas que prestam serviços de telefonia móvel a bloquear determinados conteúdos na internet e em aplicativos. “De maneira legislativa não é um assunto de extrema relevância nacional, mas eu acho que a gente está passando desde 2014 por um cenário muito conservador e muito midiático, muito provocador, então podemos ter sim andamentos dessas questões agora por causa dessa formação politica que temos hoje”, opinou a Del Monte. “Infelizmente o projeto é muito curto, ele tem um artigo e o restante é justificativa, mas a discussão é bastante interessante. É um debate que não precisa uma legislação, não é pela lei que vamos refletir sobre isso, é mais sobre saúde física, mental, comportamento, do que legislativa”, completou a advogada que acredita ser improvável a aprovação da proposta.

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Já existem softwares que controlam acessos

De acordo com a advogada, as respostas da Legislação para os problemas que circundam a pornografia são precárias. A discussão na comunidade jurídica tem como alternativa a aplicação de multa para infratores que divulgam o conteúdo não autorizado na internet, além de uma cobrança de atuação das plataformas como o Google e Facebook em relação ao conteúdo. A respeito do acesso de crianças e adolescentes à estes tipo de site, Del Monde defende: “um controle dado aos pais a esse tipo de conteúdo que os filhos podem autorizar é uma forma de prevenir o acesso deles à sites pornográficos. Este tipo de software já existe e várias empresas, por exemplo, utilizam para bloquear o acesso a redes sociais em ambiente de trabalho”, afirmou. “Acredito que precisamos trabalhar em pensamentos educativos”, completou a advogada.

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