João Gabriel, diretor de “Travessia” que estreia nesta quinta-feira (23) nos cinemas brasileiros, tinha uma proposta ousada para seu primeiro filme: falar por meio do silêncio. Há grandes cineastas que já experimentaram fazer filmes com altas doses de silêncio, ausência de catarse e pontas soltas para serem conectadas pelo público, mas é raro ver essa coragem, e mesmo liberdade, em um primeiro filme.
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“Silêncio é falar sem precisar usar as palavras. É usar a atmosferas, os personagens, as reações, o clima...”, advoga João Gabriel em entrevista exclusiva ao iG . “Eu fui bem intransigente em relação ao filme que eu queria fazer”, reconhece o cineasta. Ele admite que a pré-produção foi longa e as discussões sobre o roteiro também, mas se diz satisfeito com a resposta do público em festivais e sessões especiais às quais o filme já foi submetido.
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Em “Travessia”, Caio Castro faz Júlio. Depois da morte da mãe, ele sai de casa brigado com o pai Roberto (Chico Diaz), que também tem seus fantasmas para combater. O filme trata dos conflitos desses personagens e dos conflitos entre eles de uma maneira francamente incomum na dramaturgia nacional. “As pessoas estão ávidas por serem provocadas”, defende o diretor. “Meu filme é uma obra aberta e percebi que decifrar a história satisfaz as pessoas”.
Entrando no filme
Salvador é uma personagem, mas uma personagem diferente da que vemos em obras como “Cidade Baixa” (2005), “Cinderela Baiana” (1998), “Ó Paí ó” (2007) e “Quincas Berro D´Água” (2010). “É uma cidade que eu tenho uma ligação muito forte e com os ambientes dela”, explica. “Eu já experimentei muito dos climas da cidade e o filme é uma tradução desses ambientes, desses climas”, observa ao pontuar que o irmão Paulo Thiago, morto há dois anos, contribuiu na extensa pesquisa de campo e na confecção de Roberto.
O personagem defendido por Chico Diaz é das coisas mais fascinantes que o filme tem a apresentar. “A gente conversou sobre o personagem, discutiu o texto, ensaiou as cenas para encontrar o tom e quando a gente encontrou, o Chico veio a 1000 por hora com o personagem”.
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Com Caio Castro, o diretor admite ter tido um processo criativo diferente. “Tivemos 20 dias de laboratório em Salvador. Ele tentou entender a dor do personagem. Ele entendeu que o desafio era entender a dor do personagem”.
João Gabriel se diz feliz com o filme e diz que a ideia sempre foi desafiar o público a participar ativamente da obra. Reconhece que a presença de Caio Castro pode ser um chamariz para o filme, mas garante que o filme respira sozinho. “O que eu quero é deixar aberto para as pessoas pensarem sobre as cobranças da vida.”