Não era simples a tarefa que os diretores Tomás Weinreb e Petr Kazd se auto impuseram com “Eu, Olga Hepnarová”, filme que já está cartaz em cinemas selecionados de São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. A coprodução entre República Tcheca, Polônia, Eslováquia e França aborda uma personagem potencialmente esquizofrênica em um país que já não existe mais, a Tchecoslováquia da década dos anos 70, em meio a um regime político colapsado.
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E a proposta dos diretores, que também assinam o roteiro, não é exatamente mensurar nenhuma dessas circunstâncias. Olga Hepnarová ganha um filme no século XXI, e um que foi exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim em 2016, porque cometeu um ato terrível que chocou a nação e elevou o interesse por sua persona. São dessas circunstâncias que Weinreb e Kazd se ocupam.
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O olhar que os cineastas dispensam à protagonista não é paternal, tampouco acusatório. Existe um interesse quase que antropológico por parte da realização, que mais ao fim do filme se esculpe de sentido, pelo que move Hepnarová. Lésbica, antissocial e imersa em uma convivência particularmente difícil com sua família. A personagem de define como marginalizada pela sociedade, vítima de sua crueldade silenciosa. Jamais fica claro, porém, se essa é uma crítica a homogeneidade ambicionada pelo comunismo ou algo mais íntimo, uma inadequação existencial de outra natureza. Uma dica é observar a brasa sexual que parece queimar em Hepnarová e como as pessoas tendem a reagir a ela.
O filme parte de uma série de cartas deixadas pela personagem, que foi executada por seu crime. Ainda que a fita esconda o crime de Hepnarová até determinado momento, não o faz em nome de um mistério pedestre, até porque essa informação está na internet para ser acessada, o faz por um interessante jogo de espelhos – adensado por uma edição que asuperficialmente parece mais confundir do que ajudar – que visa justamente fornecer ao público uma desorganizada teia de informações sobre a protagonista.
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A ideia de Weinreb e Kazd é que o público compartilhe, no limite do possível, da desorientação e da solidão de Hepnarová. É um objetivo que serve à maneira como filmam e vice-versa. Michalina Olszanska , que faz lembrar uma jovem Natalie Portman, aceita o fardo dessa personagem tão difícil de retratar com uma fúria que até assusta em alguns momentos. Uma grande performance que o preto e branco de “Eu, Olga Hepnarová” torna muito mais grave.