O delegado do caso Jéssica Canedo, que denunciou ataques na internet antes de morrer, disse que "está claro no inquérito" que os comentários em redes sociais podem ter influenciado na morte da jovem. Dias antes, prints falsos que simulavam uma conversa entre ela e o humorista Whindersson Nunes foram divulgados pelas páginas Garoto do Blog, Alfinetei e Choquei. Na época, ambos negaram terem qualquer tipo de contato.
Ao g1 Felipe Oliveira, da Polícia Civil de Araguari, afirmou que, nas próximas etapas do processo, os autores de publicações ofensivas na internet também podem ser investigados. E acrescentou que, a depender do teor dos comentários encontrados, a polícia pode pedir a quebra do sigilo dos perfis para identificar os responsáveis pelos ataques.
"Se o comentário for ofensivo à honra, seria um crime contra a honra de ação penal privada. Agora, se for um comentário que realmente induziu ou diretamente instigou a Jéssica a cometer o suicídio, aí sim, responderia pelo crime do artigo 122 do Código Penal, que é o objeto da nossa investigação", explicou.
Entenda o caso
Segundo o artigo 122 do Código Penal, é crime "induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio material para que o faça". A pena prevista é de reclusão de um a três anos.
Conforme diz o delegado, já ficou comprovado no inquérito que os ataques sofridos e a repercussão do caso afetaram a saúde mental da estudante. "Agora, o que precisamos entender é se houve diretamente e dolosamente alguma instigação ao suicídio, mas que houve um impacto na vida dela, que já vinha debilitada, passando por tratamento psicológico, sem dúvida, houve", acrescentou.
O delegado disse ainda que as páginas que divulgaram as supostas conversas entre Jéssica e Whindersson não são investigadas no inquérito atual, que é focado nas circunstâncias da morte.
"Houve uma conduta imprudente dessas páginas, mas o crime que nós estamos investigando, que é a possível instigação ao suicídio, só é punido a título de dolo. E me parece que não foi isso que aconteceu. As páginas foram imprudentes por divulgar uma notícia sem verificar a veracidade, mas isso por si só não configuraria o crime de instigação ao suicídio", explicou o delegado.
No entanto, segundo Felipe, esses perfis podem responder na Justiça caso a família entre com uma ação penal na esfera privada, alegando que a publicação dos prints configurou crime contra a honra da estudante.
Em nota divulgada nessa quarta-feira (27), o advogado da família de Jéssica, Ezequiel Souza, disse que os parentes esperam que "quem espalhou notícias falsas e possam ter contribuído para o suicídio de Jéssica sejam responsabilizados". Leia a nota na íntegra mais abaixo.
O delegado ainda diz que já foram ouvidas a mãe e outras pessoas próximas à jovem. Oliveira explicou que o caso é investigado não apenas por ter alcançado repercussão nacional, mas por se tratar de suicídio, que configura morte violenta.
"Nossa prioridade é ouvir as pessoas mais próximas a ela, até pra gente entender o ambiente em que a Jéssica vinha vivendo, qual era a situação dela, tanto psicológica, quanto familiar. O que a gente tem é que Jéssica já vinha passando por uma depressão, já tinha tentado suicídio outras vezes, então estamos tentando entender esse contexto primeiro para definir quais serão os próximos passos da investigação", completou.
O que a família disse
"Com profunda tristeza a família da jovem Jéssica Abadia Vitória Dias Canedo vem se manifestar sobre seu falecimento, ocorrido em 22/12/2023.
Vivemos numa era em que a informação se tornou amplamente acessível, especialmente por meio das redes sociais. Nunca antes na história da humanidade a disseminação de informações foi tão rápida e significativa para a sociedade. No entanto, diante da prematura partida de Jéssica, não podemos ignorar os riscos associados à propagação de informações falsas, desconexas e inverídicas, que têm prejudicado cotidianamente a vida de inúmeras pessoas e afetado a sociedade como um todo.
Embora o direito à liberdade de expressão esteja consagrado na Constituição Federal, sua prática deve observar os demais direitos previstos na Carta Magna, sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana. Torna-se, portanto, imperativo responsabilizar aqueles que ocupam posições de comunicadores em redes sociais pelos impactos de suas ações na vida alheia, assim como determina nosso ordenamento jurídico.
Assim, buscaremos e confiamos na justiça para que todos os envolvidos na disseminação de notícias falsas que possam ter contribuído para o falecimento de Jéssica sejam responsabilizados conforme a lei."
* Texto de Lívia Carvalho
Lívia Carvalho é estudante de Jornalismo e apaixonada por cultura pop. Antes de entrar no time da coluna, foi produtora, apresentadora e repórter no programa Edição Extra, da TV Gazeta. Siga Lívia Carvalho no Instagram: @liviasccarvalho