Nesta quarta-feira (19) comemora-se o dia do cinema nacional e, pela primeira vez em muitos anos, a data enseja mais reflexões do que celebrações.
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É possível imaginar ser sandice após os resultados consagradores do último festival de Cannes falar em fase hesitante do cinema nacional , mas a realidade é que o cinema produzido no Brasil vive uma de suas maiores incógnitas.
Os dois últimos grandes sucessos de bilheteria made in Brazil são produções sobre as quais pairam inúmeras suspeitas de manipulação e desprestígio ("Nada a Perder, de 2018, e "Os dez Mandamentos", de 2016) e um levantamento da SEMrush, empresa de marketing digital, mostra que "Cidade de Deus" (2002), "O Auto da Compadecida" (2000) e "Tropa de Elite" (2007) foram três dos cinco filmes brasileiros mais pesquisados em 2018.
Nesta semana foram anunciados os concorrentes ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro , o nosso Oscar que, a bem da verdade, ainda não pegou de jeito. "Chacrinha - O Velho Guerreiro" e "O Grande Circo Místico", dois filmes que crítica e público não deram bola, lideram a corrida. Filmes melhores, como "As Boas Maneiras" e "O Animal Cordial" têm participação discreta na premiação.
Produção oxigenada
O Brasil continua produzindo muito e muito bem filmes cada vez mais diversos, mas essas produções não estão chegando ao público, o que recentemente voltou a ser tópico de debate com o lançamento de "Vingadores: Ultimato" tomando conta de boa parte do circuito exibidor.
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Quem é leitor fiel da coluna sabe que o cinema nacional tem espaço prestigiado por aqui, mas a questão é mais profunda do que espaço midiático. Até porque "Bacurau" e "A Vida Invisível de Euridice Gusmão" gozaram de espaço privilegiado na mídia e dificilmente se tornarão blockbusters brasileiros.
Em um momento que o modelo de produção está sendo repensado, por força das convicções políticas do atual governo, é imperativo abordar a questão. O cinema brasileiro se habituou a fazer comédias, as chamadas globochanchadas, porque entendia que era isso que o público queria. Mas a performance de "De Pernas por Ar 3" foi bem menos empolgante do que a do segundo volume, lançado em 2012.
O cinema de arte também anda menos inspirado. Na comparação com 2018 tivemos menos filmes notáveis, a despeito das sempre boas intenções. O fim da Sessão Vitrine Petrobras, que garantia lançamento nacional para filmes pequenos de diferentes pontos do País, foi um duro golpe nessa seara.
Duas das melhores produções autorais brasileiras do ano saíram deste programa de distribuição. São elas "Temporada" , já disponível na Netflix, e "Lembro Mais dos Corvos" .
Há, ainda, as coproduções. O Brasil busca estreitar laços com os cinemas da Argentina, Colômbia e Uruguai e já tivemos alguns bons lançamentos nesse escopo, mas nada que remotamente se assemelhe à produção comercial argentina, que viaja muito melhor.
É verdade, também, que nosso cinema é mais valorizado lá fora do que aqui dentro. Reconhecer isso pode doer para nosso setor produtivo, mas é essencial para que um debate sério e franco seja estabelecido para que todas essas arestas possam finalmente ser aparadas.
Em toda a crise há oportunidades e o cinema nacional vive algumas crises em paralelo. Muitas delas sublimadas pelo desmonte da estrutura produtiva-cultural do País, mas talvez resida nessa última, de natureza eminentemente política, a saída para todas as outras.