O cinema de Terry Gilliam, um dos principais vértices da trupe de comédia britânica Monty Python, é pautado pelo signo de “O Homem que Matou Dom Quixote”, projeto pessoal e jamais filmado do cineasta responsável por perolas como “Os 12 Macacos” (1995), “Brazil – O Filme” (1985) e “O Pescador de Ilusões” (1992).
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Esse projeto maldito finalmente foi realizado, após 30 anos de gestação, e estreia no Brasil após um debute conturbado no festival de Cannes em 2018. “O Homem que Matou Dom Quixote” , como veio ao mundo, é uma carta de amor ao filme que poderia ter sido.
Há muitas boas ideias em curso no longa, mas Gilliam não necessariamente dá conta de articulá-las a contento.
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Toby, defendido com imaginativas reminiscências por Adam Driver , é um arrogante diretor de comerciais que reencontra a estrela de um filme antigo seu. Esse sapateiro espanhol, papel de Jonathan Pryce, no entanto, acredita ser Dom Quixote, uma das intrincadas e complicadas heranças deixadas pelo filme de Toby naquele pequeno vilarejo espanhol.
Este é um filme sobre memória e sobre a deformação da arte por uma postura cínica e gananciosa, mas também sobre a cota de ingenuidade necessária para ver beleza na vida.
A alucinação desse Dom Quixote decadente aos poucos vai virando a mise-en-scène sobre a qual Gilliam desenvolve suas elaborações. Hermético, o filme se beneficia dessa lógica em grande medida, mas aliena todos aqueles não acostumados com o cinema do septuagenário cineasta.
O humor é cortante, como quando o empresário vivido por Stellan Skarsgard, cuja mulher vivida por Olga Kurylenko não tão secretamente vive um affair com Toby, alerta o protagonista para “pensar em Trump” sobre como o mundo exige que as pessoas se comuniquem naquele momento.
O abrigo de Gilliam no material original de Miguel de Cervantes privilegia o grotesco em detrimento de uma sátira mais refinada. É justamente por isso que o filme desponta irregular mesmo para aqueles familiarizados com a obra do autor, mas preserva uma genuína disposição de deslocar o expectador de sua zona de conforto.
“O Homem que Matou Dom Quixote” sempre foi cortejado como um filme imperfeito . Pronto, surge como um filme-homenagem a outro tempo, a um Terry Gilliam do passado, embevecido, tal como seu protagonista, por glórias que ficaram em suspensão.