Depois da sensação que é “O Animal Cordial”, Gabriela Amaral Almeida incrementa sua autoralidade com um exercício de gênero completamente diferente do slasher estrelado por Murilo Benício.  “A Sombra do Pai” é um terror melancólico, construído com a perspectiva de uma criança.

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Cena do filme A Sombra do Pai
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Cena do filme A Sombra do Pai

Dalva, vivida pela excelente Nina Medeiros, é fã de filmes de terror. No dia a dia, ela é cuidada pela tia Cristina (Luciana Paes), já que o pai passa a maior parte do tempo no trabalho. “A Sombra do Pai” é, também, um filme que busca um olhar sobre alguns antagonismos entre masculino e feminino.

Se encontra seu pai com olhar perdido na madrugada e externa a ele seu medo de “estar esquecendo sua mãe”, morta recentemente, no que ele a encoraja a “esquecer mesmo”, ela vê sua tia fazendo um trabalho para garantir que seu amor não a abandone. É nessa dicotomia na maneira de lidar com expectativas e sentimentos que Dalva vai deixando seu gosto pelo cinema de horror aflorar.

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Quando sua tia se muda de casa após o casamento e seu pai passa ser uma figura cada vez mais ausente, Dalva passa a acreditar que pode trazer sua mãe de volta à vida.

A partir dessa situação, Gabriela Amaral Almeida trabalha tanto uma masculinidade que não se permite frágil, como a opressão do trabalho sobre o indivíduo, tudo com os códigos do cinema de horror como baliza. Repare nas referências a “Cemitério Maldito”, que não estão lá por acaso.

Suspensão da descrença

Julio Machado em cena de A Sombra do Pai
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Julio Machado em cena de A Sombra do Pai

Como Jorge, esse pedreiro desorientado que parece morrer em vida, Julio Machado faz um complexo trabalho de composição. O ator precisa mais ser uma presença do que um personagem, à medida que sua construção se dá em vulto. Tanto porque se desumaniza, como porque compartilhamos do olhar de sua filha sobre ele. É um trabalho difícil, mas muitíssimo bem realizado.

Jorge, que sente muito a morte de um colega de trabalho, agoniza a medida que passa a perceber o sobrenatural em seu ambiente. Se Cristina e Dalva apresentam algum nível de conforto com essas circunstâncias, o pedreiro se desespera. O drama familiar, aos poucos, vai tomando conta do filme e Almeida canaliza a energia do cinema de horror para tangenciá-lo.

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Se suas escolhas minam a tensão no terceiro ato, devolvem aos personagens a soberania sobre suas angústias. Eis uma tragédia familiar, mas também social, advoga Almeida ao abrasileirar signos de Stephen King em "A Sombra do Pai" .

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