Se você abriu as redes sociais nas últimas duas semanas deve ter se deparado com o termo "NPC". A nova febre do TikTok significa "non-player character", que na tradução livre refere-se a personagem não jogável.
O modelo que dominou a rede social chinesa tem levado os influenciadores a se fantasiar e repetir bordões em troca de dinheiro.
Nas plataformas vizinhas, como Instagram e Twitter, o NPC viralizou por ser essencialmente excêntrico. Os internautas deixam a imaginação tomar conta e protagonizam diversos cenários, fantasias e maquiagens que fogem do normal.
O adjetivo "ridículo" tem sido muito usado nos debates sobre o NPC. O que leva uma pessoa a se 'ridicularizar' durante uma transmissão ao vivo? O dinheiro faz valer a exposição pública?
"Luz do fim do túnel"
Mãe de dois filhos, deficiente visual e sem emprego formal, a cearense Marlene Mello achou no NPC a chance de tentar reverter a situação financeira da família.
No auge da viralização do influenciador Felca, quem trouxe o NPC à tona na mídia, Marlene Mello recebeu uma notificação de que poderia ser despejada da casa em que mora. A cabeleireira estava com dívidas por falta de pagamento do seguro fiança do imóvel alugado que abriga ela, os dois filhos pequenos e o marido.
A influenciadora já era íntima do TikTok, onde possui uma conta que aborda a maternidade como deficiente visual. Marlene tem 5% de visão no olho esquerdo e o marido não enxerga. O casal ilustra nas plataformas como funciona a autonomia e criação dos filhos. Apesar disso, a retorno financeiro não estava sendo o suficiente para o sustento da família.
Antes de migrar para as redes, Marlene era um destaque regional como cabeleireira. No entanto, ela aponta que na mudança de casa perdeu materiais, móveis e foi roubada. O caso mexeu com o emocional e ela diz que não conseguiu reverter o prejuízo e voltar para a área.
Com dívidas de moradia e a pressa de quem tem filhos para criar, ela decidiu arriscar ao entrar para a 'trend da ridicularização', a live de NPC.
"Eu pensei: 'Se tudo der errado, o máximo que vai acontecer é eu passar vergonha e ganhar uns seguidores ali, e pelo menos eu vou passar vergonha, mas eu vou estar ganhando um pouco de dinheiro'", admite.
Antes de iniciar a transmissão ao vivo, a cearense publicou um vídeo no TikTok avisando os seguidores que iria adotar o modelo do momento porque precisava de dinheiro para evitar o despejo.
"Quando eu fiz [a live], foi tipo, assim, a luz no fim do túnel. Em dois dias, graças a Deus, consegui o dinheiro e não me arrependo nada", confessa. Marlene Mello conseguiu quitar a dívida do seguro fiança, que era depositado no cartão de crédito. Ao todo, ela devia R$ 4.700.
Nas lives do TikTok, o influenciador pode receber presentes, que funcionam como doação. Além disso, a plataforma permite que outro usuário patrocine o conteúdo, valorizando financeiramente o dono do perfil. Com a transmissão ao vivo, a cearense conseguiu presentes, doações e mais seguidores.
Apesar de ter atingido o objetivo financeiro e se livrado do despejo, a interação nas redes sociais também permite que influenciadores sejam expostos a ataques de ódio. Com Marlene não foi diferente.
"Recebi muito hate, lógico, muita gente me falando 'vai trabalhar', 'se mata', 'morre', me xingando. Mas assim, estou aqui pelos meus filhos, por um motivo e não vou desistir, as lágrimas pingando e sigo firme e forte", sustenta.
Marlene Mello conta que toma antidepressivos e trata da ansiedade, que foi desenvolvida quando perdeu a visão aos 17 anos devido à hidrocefalia e neurocisticercose. A deficiência da influenciadora é um dos alvos dos ataques. Internautas a chamam de vesga e apontam as características dos olhos dela.
"A gente tem que ter coragem, não ligar para os comentários, não vou falar que é fácil, tá? Porque todos os dias eu choro na minha live. Tem que preparar o psicológico e focar no seu objetivo, eu estou aqui pelos meus filhos, porque hoje eu tenho um biscoito para eles comer, hoje eu tenho um leite para os meus filhos tomar, então, é por eles que eu tô aqui".
Além de conseguir pagar a dívida que evitou o despejo, Marlene celebra ter sobrado dinheiro para que pudesse fazer compras no mercado.
"As pessoas deveriam parar de julgar um pouco, sabe por quê? Por trás disso existe o sonho. Eu vou continuar fazendo as lives para conseguir todo mês pagar meu aluguel, fazer uma compra para casa, há muito tempo eu não fazia uma compra".