Há coisas novas na cabeça de Manu Gavassi. Não apenas um avançado processo de transição capilar, que permite a exibição dos cachos naturais, mas também uma profusão de ideias inéditas, muito diferentes das que fizeram a atriz e cantora ficar nacionalmente conhecida ao longo do “BBB 20”. As piadas autodepreciativas ficaram para trás, o uso das redes sociais também diminuiu drasticamente. Ainda retirou o silicone dos seios, pondo fim a uma “ferramenta de autoafirmação” que não deu certo, ela diz.
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Entusiasmada, defende a síndica irônica que faz no seriado “Maldivas”, da Netflix , e diz que reencontrou o prazer em fazer shows. Na nova turnê, iniciada na última sexta-feira, voltou a cantar em seu tom natural, diferente das gravações em que queria ser “cool”. Otimista assumida, dá risada de infortúnios, mas fala firme sobre assuntos que julga importantes. Garante que votará em Lula nas próximas eleições e que “sempre apoiou pautas progressistas”.
Posiciona-se, sem rodeios, a favor da legalização do aborto e contra a hipersexualização feminina. Clama pelo que sente falta no meio em que trabalha: calma para criar. Abaixo, os melhores trechos da entrevista.
Como é se preparar para uma turnê pela primeira vez em três anos?
Tem sido uma jornada interna. Ficava questionando por que não me sentia confortável e segura no palco, mas muito mais confortável sendo atriz. Esse lance do ao vivo, de chegar, de cantar, me deixava muito insegura e, mesmo em apresentações lindas, eu estava insegura. Tem sido uma descoberta, nunca tive tempo hábil de operar nessa função de cantora somente.
Nunca me dei esse luxo, porque eu estava fazendo muitas outras coisas ao mesmo tempo. Até no momento atual estou com diferentes projetos, enquanto preparo a turnê. Ter essa percepção fez eu ser muito mais generosa comigo mesma. Vejo que há muito mérito no que construí como cantora.
Então, você tem gostado mais de cantar?
Sim, estava atrofiada a minha voz, tadinha, eu não estava a usando muito. A Magali Mussi, minha professora desde os meus 13 anos, disse que está dando gosto de me ver cantar, soltando a voz e me divertindo. Em “Gracinha”, lançado em 2021, eu abri a boca e cantei, tive coragem.
Nos meus últimos álbuns, por outro lado, eu colocava minha voz de um jeito mais grave porque achava que seria “cool”. Lembro que antes diziam que minha voz era irritante, aguda. Eu era mais nova, e a voz naturalmente mais fina. Me pautei muito nessas críticas e hoje vejo como me maltratei como cantora. Comecei a olhar para mim com carinho. Mudei o tom de várias músicas, que ficaram mais confortáveis para cantar. Acho que essa mudança será muito benéfica.
Há algum tipo de síndrome de impostora aí?
Você já leu “O Mito da Beleza” (de Naomi Wolf)? Esse livro conta que, para cada ganho da mulher na sociedade, para "cada autonomia, ou poder político conquistado, existia uma barreira de imagem para que se ela se sentisse mais aprisionada. Eu vejo muitos caras bem-sucedidos, por outro lado, que não são cobrados de absolutamente nada. Às vezes, são bem-sucedidos porque fizeram dois trabalhos e são lindos. Só. Ser lindo faz você passar ileso, como homem, uma vida inteira. Como mulher, não. Como mulher você tem que fazer absolutamente tudo. E ainda perguntam o que vem depois. Não importa o quanto você faça, a pergunta que vai ser é: “E aí, o que mais?” E você fala: “Estou exausta, não tenho nem horário para dormir, como assim, o que mais?” (risos).
Como está sua percepção de beleza e bem-estar?
Estou num movimento de questionar tudo. Por que me falaram que meu cabelo tinha que ser assim (alisado) e eu acreditei a vida inteira? Não ia amar usá-lo como era na infância? Coloquei silicone nova, aos 24 anos, num período em que eu queria me autoafirmar, “agora sou mulher, gente. Cresci”. E, anos depois, pensei que eu nunca me senti bem com isso. Daí agora, mais velha, reverti, tirei e me sinto superbem. São questionamentos. Tento falar sobre isso, porque essas loucurinhas de aparência ocorreram porque olhava para as artistas que admirava e pensava: “Tá vendo, ela tem silicone? Todo mundo tem, tenho que colocar”. Não quero ser um exemplo que não questiona. Prefiro ser a pessoa que diz: “Pense com sua cabeça”.
Isso tem algo a ver com as redes sociais?
Hoje em dia, como artistas, não podemos nos dar ao luxo de olhar para nossa carreira e nossa criatividade com calma, porque somos obrigados a participar de um placar. Enquanto estava on-line o tempo inteiro e ciente do que esperavam de mim, eu era menos criativa, e menos eu, mais medrosa. Tinha muito medo de errar. Passei nove meses fora das redes, off-line. Hoje em dia, tenho acesso às minhas contas, mas tenho inteligência emocional de saber quando aquilo está demais pra mim. Estou muito mais calma, segura, e vejo que posso conquistar tudo que sempre quis, mas não precisa ser no ritmo esperado para a minha geração.
Seus vídeos tinham uma pitada de humor autodepreciativo, isso não te maltratava?
Acredito em astrologia e sei que o humor capricorniano tem um tanto de autodepreciação. Criei essa persona que é a “garota errada”, desde antes do “BBB”, e usei ao longo do programa porque sabia que seria muito julgada e ridicularizada pela minha escolha. Naquele momento, foi genial reagir com humor. Saindo do “BBB”, meu plano deu certo, não fazia mais sentido usar aquele humor. Estava mais me puxando para trás do que me colocando para frente. Acho que fui sábia de parar e serei sábia se voltar a usar. Depois, escrevi a música “Gracinha”, que falava: “Cansei de fazer gracinha, meu coração sofre por ser assim, quanto mais gracinha eu faço, mais quebrada estou por dentro, por favor me salve de mim”. É um pedido de socorro, está claro.
Como foi fazer a série “Maldivas”, na Netflix?
Quando li sobre a personagem, a Milene, achei incrível. Não era eu a atriz que a Natalia Klein (criadora da série) estava em mente, no início. Mas, quando vi que existia no texto dela um deboche, pensei que saberia fazer aquilo. Ao mesmo tempo, ela é supertriste. Me permitiu ir para outros lugares com "o lado da vulnerabilidade. É quase uma anti-heroína.
A Milene tem uma sensualidade que você não trabalha tanto na sua carreira…
É mais fácil quando é personagem, faz parte de uma história. Tenho uma luta muito grande em questionar como a mulher é representada no pop, pensando em sensualidade. Existem dois lados. Há o ponto da nossa sexualidade. Se eu quiser falar de prazer feminino, eu posso e devo. Mas tem também um outro lado, pois essa sempre foi a maneira como fomos retratadas. A mulher sempre foi um corpo para ser apreciado, mesmo quando ela "não quis. No meu álbum “Manu”, a foto principal é praticamente pelada. É bonita, mas é uma tentativa de autoafirmação. Queria fazer o que o mercado desejava. Depois pensei: “Estou fazendo isso para quê? Para ser aceita?” Fui cirúrgica e odiei.
O que acha que te privam por ser mulher?
Ainda te tiram o que é mais precioso, que é a sua paz. Paz para exercer a sua função na sociedade sem tanta pressão, paz para amar quem quiser, paz para ter o corpo como quiser e mostrá-lo ou não.
Qual sua opinião sobre o aborto?
Nunca entendi porque é difícil falar sobre esse assunto. Não é difícil, para mim, falar sobre aborto. Acho que é difícil fazer as pessoas entenderem que a mulher tem que ter controle total a respeito do corpo dela. Fico triste de ver que em 2022 ainda estamos lutando por isso, me dá um certo pessimismo. Mas há o otimismo das lutas que conquistaremos.
Você vai se posicionar sobre as eleições?
Sempre apoiei pautas progressistas e nunca esteve tão clara a minha opção de voto. É urgente votar em um candidato que seja a favor e defensor da democracia e tenha um plano de governo que olhe para os mais vulneráveis. Neste ano, o candidato para isso é o Lula.
Você tem se declarado a seu namorado, o modelo Jullio Reis. Como está essa fase?
É muito louco estar em um relacionamento saudável. Fomos criadas achando que temos que só pensar naquele romance, e aí você crê que isso é estar apaixonada. Pela primeira vez, me vejo tranquilíssima, com outra pessoa tranquila, apaixonada, querendo estar junto, entendendo o que é amor. É mais simples do que ensinam, é maravilhoso.
Quando perguntam sobre a sua carreira, se você é atriz ou cantora, o que diz?
Sou artista. Isso sei que eu sou.
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