No Carnaval deste ano, assim que desceu do Uber, de peruca e óculos escuros, pronta para se jogar na folia de um dos blocos do centro do Rio, Camila Morgado ouviu um grito: “Olha lá, a Olga!”. Não tem jeito. Quinze anos após a estreia no cinema (em 2004) como a militante comunista, companheira de Luís Carlos Prestes, a atriz continua sendo confundida com ela. Mesmo disfarçada. Ela ri contando a história. A sério, comenta como não foi fácil se desvincular dos papéis dramáticos. “Só me chamavam para algo revolucionário”.
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Depois de um convite de Marília Pêra para atuar na peça “Doce Deleite”, Camila Morgado começou a fazer comédias também no cinema, destacando-se em filmes como “Divórcio” (2017) e “Bem Casados” (2015). Vista em três longas desde o ano passado, a atriz aguarda “ansiosamente” a estreia de “Domingo”, de Fellipe Barbosa, em maio.
A atriz acaba de gravar as últimas cenas “ Malhação : Vidas Brasileiras”, que termina na sexta-feira (15). Vivendo um casamento em casas separadas com o produtor de cinema Marcello Maia, a atriz não pensa em ser mãe. “Não tenho vontade".
Como está sendo a despedida de “Malhação” ?
Necessária. Foi o processo mais longo que atravessei na TV. Foram 284 capítulos. É muita coisa. Eu não imaginava. Só me dei conta no meio, quando percebi que já tinha começado uma novela das 21h, terminado; começado outra, terminado; e entrou outra (risos). O final foi ficando exaustivo. Vivi mais tempo na nossa cidade cenográfica (em Curicica) e dentro do meu carro do que na minha casa. É um pique intenso. Agora, sinto muito orgulho desse trabalho. Ainda mais neste momento do país.
E qual é o maior orgulho ?
A Gabriela defende que a educação de qualidade é direito de todo cidadão. Acha que o ser humano é livre e tem que se expressar de forma plena. E sabe o quanto a escola é importante, o quanto pode ser acolhedora. Meu personagem acredita nisso: que cabe ao professor estimular o aluno e não limitá-lo, criar fronteiras.
A trama também tratou de questões de gênero...
Pedro Vinícius, o ator que faz o Michael, se define como queer, mora com uma menina e se veste como mulher. Ele é uma graça, completamente livre. É muito legal que ele esteja em 'Malhação', trazendo isso para o personagem. O Michael, na trama, namora um menino. Vou sentir saudade por ter conseguido tocar nesses assuntos e falar com os jovens. São eles que vão trazer o novo.
Falando em se comunicar com os jovens, você é ativa nas redes sociais?
Nada. Eles me xingam por isso. Falam, “não é possível, você tem que ter um Instagram”. Eu não consigo. Mas acho que vou acabar criando uma conta, por questões políticas, de engajamento, agora está tudo ali... Só que tem um outro lado que me deixa bloqueada: o de enxergar através da lente. O encontro presencial está ficando limitado. O jovem vê o mundo pela tela do celular. E acho isso perigoso. Tem ainda a questão ruim das notícias falsas. É um meio ainda muito desconhecido... Se começarmos a trazer para a reflexão, isso pode nos ajudar a fazer um uso melhor dessa plataforma. É uma arma poderosa que temos nas mãos.
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Gabriela, sua personagem em “Malhação”, tem três filhos. Você sofre pressão por não ter sido mãe?
Sim. Todo mundo me pergunta: “E aí, vai ser mãe quando?”. Tem uma cobrança da sociedade, mas acho que ela está ficando menor. Já me perguntam: “A sua opção é de não ter?”. Isso antes não existia. Era como se fosse uma obrigação, toda mulher tinha que ter filho... Confesso que isso nunca foi uma questão para mim, nunca foi um desejo a ponto de eu decidir: "Vou ser mãe". O tempo foi passando e assim eu continuo. Não tenho vontade. Pode ser que mude. Mas como já vou fazer 44...
Suas estreias, tanto no cinema (com “Olga”) como na TV (na minissérie “A casa das sete mulheres”, 2003), foram com papéis fortes, densos. Você ficou marcada por eles?
Chegou um momento em que fiquei preocupada, porque começaram a me chamar sempre para algo revolucionário, para papéis muito dramáticos, melodramáticos... Achei que podia ficar estereotipada. Aí veio o convite da Marília Pera para fazer a peça “Doce Deleite” (2008), dirigida por ela. Pensei: “É agora, a oportunidade é essa de mudar um pouco, de o público começar a me ver de outra forma”.
Mas você se identifica com esses personagens mais intensos?
Quando que me perguntavam por que eu fazia muito esses personagens intensos, respondia que era coincidência, que sempre me davam esses papéis. Outro dia, pensei: “Não, Camila, você está toda errada (risos), você é intensa”. Se mostro os personagens dessa forma, talvez a culpa seja minha. É o meu jeito de ver a vida. Sou agitada, faço milhares de coisas ao mesmo tempo, tudo é questão de vida ou morte. Claro que agora, ficando mais velha, isso está melhor, o que me dá grande alívio. Porque a gente sabe que, se hoje não resolver o mundo, amanhã, quem sabe? Comecei a me dar um descanso, a suavizar.
Você tem mais facilidade com o drama que com a comédia?
Acho ambos muito difíceis e gosto igualmente. Na comédia, a gente se diverte muito e volta para casa com uma energia diferente, com alegria, como se tivesse bebido champanhe, cheia de borbulhas. No drama, você volta um pouco mais reflexivo, mais sério. O que também é maravilhoso, porque você faz muitas descobertas.
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E como foi trabalhar num filme com tantas cenas de sexo e de masturbação, como “Vergel” (da diretora argentina Kris Niklison, exibido este ano) ?
Na cena da masturbação, sofri mais antes. Mas fiz só aquele take, foi muito bem dirigido e muito fácil. Sabia que não ia aparecer muita coisa, porque ela coloca a câmera num ângulo em que só se vê a mão e o rosto. Mais difícil foi a cena em que estou no colo da Maricel (Álvarez), no sofá (Camila beija os seios da atriz argentina). Tivemos que repetir muito e nos incomodou bastante. Um ângulo que a diretora acabou tirando, mostrava que, quando eu estava ali, no seio da Maricel, meu olho virava como o de um bebê. Isso me levou para um lugar... Sofri muito.