Medo e vergonha são palavras que não fazem parte do vocabulário de Duda Polinário, de 18 anos. A passista do Salgueiro tem samba no pé e mostra que o corpo dela pode e deve estar na avenida. Mas, nem sempre foi assim, pois a carioca percorreu um longo caminho para conquistar respeito e poder desfilar, na Marquês de Sapucaí, com o corpo livre. Ao iG Gente, ela relata o preconceito que já sofreu na antiga escola de samba, a Imperatriz Leopoldinense.
A jovem ganhou visibilidade quando teve um vídeo de um dos ensaios do Salgueiro compartilhado pela atriz Cacau Protásio. No registro, as passistas se enfileiraram e, literalmente, abriram alas, para Duda entrar e sambar. "Fiquei arrepiada com esse vídeo que acabei de assistir. Quem sabe temos aí uma futura rainha de bateria, você é uma grande concorrente", escreveu Cacau no Instagram.
A carioca, no entanto, passou por dificuldades até chegar no Salgueiro, agremiação pela qual vai desfilar na madrugada do domingo (19). Com 10 anos, Duda se tornou passista mirim da Imperatriz Leopoldinense, lugar que ela frequentava desde os 5 anos. Ao virar componente da escola, a jovem começou a enfrentar olhares, comentários e até ordens preconceituosas.
"O próprio diretor da escola tinha preconceito comigo. Ele não deixava eu beber água [entre os ensaios] porque falava que eu poderia engordar. Além disso, as mães de passistas que sambavam comigo falavam que, se tivessem filhas gordas, elas nunca seriam passistas", relata.
Duda também diz que o tal diretor a cortava de atividades da Imperatriz pelo corpo dela: "Existiam vários showzinhos para gente que era mirim e ele não deixava eu ir". Outro problema que Duda enfrentou na Imperatriz foi com o figurino. "Eu recebi uma roupa que não cabia em mim. Minha avó teve que modificar toda o meu figurino. Também já passei essa questão com sapato, eu calçava 41 e desfilei com uma bota 38", conta ela.
As fantasias também deixavam a jovem "toda tampada", o que dificultava o samba da carioca, já que a roupa ficava mais pesada. "Pesava uns 10 quilos a mais", detalha ela. Duda ainda afirma que isso acontecia porque as escolas determinavam um certo "padrão" para a passistas, musas e Rainhas de Bateria.
Deste modo, ela revela que as situações a fizeram pensar em desistir. "Eu era só uma menina, as pessoas não tinham consciência de que aquilo ia me machucar. Eu ficava muito mal, tinha vezes que eu não queria ir, mas eu falava: 'Não. Eu vou, preciso ir, eu preciso vencer. Daí, eu coloquei isso na minha cabeça e deixei de me importar com o que as pessoas falavam".
Assédio na Imperatriz
Além de gordofobia, a carioca já sofreu assédio de um componente da antiga agremiação. "Eu frequentava o Salgueiro todo o sábado, comecei a ir para o Salgueiro com meus primos que são da bateria. E comecei a falar com essa pessoa da Imperatriz lá. Eu tinha um carinho muito grande pela pessoa, por mais que ela tivesse uma fama, nunca tinha feito nada para mim", conta.
Duda, então, explica que, em um desses sábados, o componente da Imperatriz, que estava bêbado, a puxou na intenção de beijá-la. A carioca negou o beijo, mas o rapaz insistiu. "Falei não, mas a pessoa me segurou e tentou me beijar. Eu empurrei e saí", detalha ela.
Depois do acontecido, a passista admite que se sentia incomodada de encontrar a pessoa nos compromissos que tinha na Imperatriz. Algo que fez com que ela quisesse deixar a escola. O desligamento, então, foi impulsionado também pela saída da coordenadora da ala mirim dela, que defendia Duda e impedia que o diretor mencionado anteriormente a excluísse por ser gorda.
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Antes de tomar a decisão, de fato, a passista, que na época já era musa da Imperatriz, afirma que contou para a presidente os casos de assédio que passou, na esperança de que providências fossem tomadas. "Ela falou que, como não tinha sido na quadra ou em um momento em que a Imperatriz estava na Salgueiro, ela não tinha muito o que fazer. Eu falei que ele tinha um cargo maneiro, como eu que era musa, então, tinha que ter um respeito. A presidente disse que se acontecesse uma terceira vez, ela tomaria providências", entrega Duda. Tal medida, no entanto, não foi suficiente para a carioca, que deixou a escola.
"Eu amo a Imperatriz, foi a porta que se abriu para mim para eu entrar para o samba, eu sou Salgueiro e Imperatriz, isso não vai mudar nunca, mas eu não posso continuar na escola", disse Duda, na época.
Procurada pelo iG Gente, a assessoria da Imperatriz Leopoldinense enviou uma publicação de Duda, no Instagram, como resposta. "Nunca, em nenhuma entrevista, dei uma declaração que pudesse negativar a escola que me acolheu", diz trecho.
Veja a íntegra:
Chegada no Salgueiro
Já no Salgueiro, a situação foi outra. Duda entrou na agremiação, que frequentava e admirava desde criança, no ano passado, como passista, e ganhou o espaço que foi negado a ela por tantos anos. "A Salgueiro é uma escola de diversidade. Lá tem tudo, você vê gordinho e magrinho e você sente igual. Hoje, ainda têm olhares, mas lá nunca passei por isso", pontua.
Duda conta haver mais dois passistas plus size na Salgueiro: Danilo e Pâmela. E a carioca reforça que nenhum dos três passa por situações desconfortáveis na agremiação. Ela conta que Carlinhos, coreografo da escola, defende o trio com unhas e dentes. "Quando eu entrei, o Carlinhos falou que eu era deles. Ele me defende de tudo, ele fala: 'Ninguém mexe com a minha GG!', que significa grande gostosa".
Na nova escola, Duda também não passou por dificuldades com os figurinos. Ela conta que a equipe do Salgueiro faz tudo sob medida e que o corpo fora do padrão de magreza não é escondido por panos.
Pressão estética e falta de representatividade
Duda ainda ressalta que o preconceito que sofreu a vida toda é gerado pela pressão colocada nas mulheres, principalmente ligadas ao carnaval, de terem o "corpo perfeito". "A sociedade acaba com a gente nessa questão de ter que ser bonita, tem que ter corpo perfeito, tem que sambar, tem que falar direito, tem que ter uma boa educação. Tem muitas meninas que acabam desistindo do Carnaval ou de coisas da vida porque acham que não se encaixam", desabafa.
A jovem afirma que esse comportamento pode implicar em coisas mais graves: "Pode puxar para ansiedade ou até uma depressão".
Como dito, Duda já quase deixou a autoestima ser diminuída por comentários preconceituosos e uma coisa que dificultou o processo dela de aceitação foi a falta de representatividade. A carioca relata que, quando criança, não via passistas, musas ou Rainhas de Bateria gordas e, por isso, quer ser inspiração para próximas gerações. "Onde quer que eu esteja, se eu tiver fazendo bem para elas, está bom", declara Duda.
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