Quando perguntado por que escolheu o local no Centro de São Paulo para cenário da conversa com o GLOBO, Jesuíta Barbosa aponta o dedo para a escada modernista que une os dois andares da livraria. Bela e estranha, é um quase espelho de como o ator, que celebrou 31 anos no domingo (“Junto com o Gil, que tem frases que amo, hoje estou com a ‘gosto de gostar das coisas’ na cabeça”), se revela.
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Seus colegas de jogo oferecem pistas para decifrar o mistério. Dira Paes, a Filó de “Pantanal”, vê nele “um camaleão, um alumbramento, ator irresistível, potente e magnético, cujo verbo é sentir”. Marcos Palmeira, seu pai na novela da TV Globo, conta “estar apaixonado pelo ator profundo que traz sempre algo diferente do que está escrito”. E Alanis Guillen, a Juma, é direta: “Estar em cena com ele me faz me sentir viva e eletrizada.”
No cara a cara da vida real, o introvertido se solta aos poucos. As pausas, como se pensasse bem antes de falar, dão lugar à risada gostosa e à expressividade dos olhos esverdeados, certa vez classificados, com exatidão, de verborrágicos. É vã a tarefa de quem tenta se desviar dos dois faróis do menino celebrado por “Tatuagem”, de Hilton Lacerda. No filme (“que até hoje me faz tremer”), lançado em 2013, ele faz um soldado apaixonado pelo artista vivido por Irandhir Santos, agora seu parceiro na novela que se tornou fenômeno cultural.
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Não é acaso, crê, dez anos após as filmagens no Recife, os dois pernambucanos brilharem juntos em horário nobre na TV. “Há um desejo de se incluir na novela algo do meu olhar, de minhas reflexões sobre o universo gay, a sexualidade. Querem extrapolar barreiras ali, que bom!”, diz, ciente e feliz do nó que dá em quem lhe presta a devida atenção.
Com o Jove, você é mais reconhecido nas ruas?
As pessoas me reconhecem mais, mas a fama é um monstro à espreita. Se você não prestar atenção, pode ser engolido. Reconhecimento é bom, mas superexposição é uma questão pra mim.
Balançou o ego?
É um Deus o ego, né? Não conseguimos fugir dele, está sempre presente, mas traz um canto da sereia, ou do boto, e você pode acabar saindo de si. Quero aproveitar o momento pra me entender ainda mais, observar as coisas, saber se valem a pena. E, aos 31 anos, não quero sair de mim, não.
Às vezes é bom sair de si, não?
Sim. Mas esta viagem (a TV) tem sido bem delirante. E o delírio é muito próximo da loucura. A liberdade também. Sinto que preciso cultivar algo que tenha brilho, mas que também seja brando.
Que papo cabeça (risos). Você faz análise?
Três vezes por semana. Adoro. Encontrei uma pessoa ótima e tenho começado a entender algumas coisas sobre mim.
Quando você entendeu que era um homem bonito?
Eu? (risos). Não me acho bonito, não! Demorei a aceitar minha magreza, mesmo em nossa sociedade gordofóbica. Não conseguia tirar a camisa em público. Foi o teatro que me deu a liberdade individual física. Hoje até gosto da minha beleza estranha.
Seu Jove imprime estranheza, com pausas que mudam o ritmo da novela. Decisão arriscada, não?
Foi sim um risco. O Jove vive uma crise existencial, com traumas a resolver. Não podia fazê-lo alegre, pra fora, o que, aliás, está longe de mim, sou introspectivo. Aproximei-o de mim. As pausas dele distanciam da coisa da novela, né? Às vezes, acho que não sei fazer novela...
Sério? Quando você está gravando ou depois, ao se ver?
No resultado. Novela é difícil, admiro quem sabe fazer, como a Bel (Isabel Teixeira). Ninguém consegue tirar o olho da Maria Bruaca. Ontem fomos andar no Minhocão e não conseguia parar de falar com ela, pra ela, dela. Aprendo olhando pra ela. Mas também gosto da frequência mais baixa do Jove. Pra quem curte observar, é bom.
Ele escancara o preconceito, é o “frozô”. Este é um lugar que você conhece bem?
Sim, e fico feliz de ser essa figura. Ele não é macho alfa, não tem corpo de galã, é quebrado, gauche, com nuances. E cria, como eu, uma confusão, até que se entenda a função da fragilidade, dos contrastes de masculino e feminino, Jove e Juma. Estas subversões me interessam muito.
O que achou do ex-presidente Lula, comparando a relação dele com a mulher, Janja, com a de vocês na novela?
Não tinha visto! (rindo muito). Lula entendeu que “Pantanal” fala muito direta e rapidamente com o espectador. Jove e Juma têm uma relação de amor, romântica, subvertida e muito forte. Fico feliz e honrado com o paralelo.
E a fantasia de uma história de amor romântico entre você e Alanis na vida real? Houve um desejo de te colocar no papel do masculino tradicional hétero?
Acho que não foi exatamente isso. Há o meu histórico e há o tom feminino do personagem. O interesse “se tá rolando ou não”, creio, vem da dúvida que tanto eu quanto o Jove geramos na cabeça das pessoas. São as inversões que criaram este desejo, esse fetiche. Quer saber? Eu sou a favor! Cada um com seu fetiche, tá liberado (risos).
Alanis é força da natureza...
Ela é uma atriz fascinante, com presença inabalável e que ouve a cena, fundamental pra dar certo. Gosto de ensaiar, mas amo improvisar. Tramamos, mudamos, troca pra rede, vai pro chão, brincamos. E isso gerou amor. Agora, a câmera namora a Alanis, né? Já eu, fujo dela ...
Como assim?
Fujo do artifício, do aparelho que está ali. No cinema, o namoro é mais possível, o tempo das coisas é mais dilatado. O (fotógrafo e diretor) Walter Carvalho, quando me encontra, sempre pergunta: “E aí, já parou de fugir da câmera?” (risos).
E o que você diz a ele?
“Waltinho, para de falar isso em voz alta!” (risos). Tinha uma cena em “Amores roubados” (minissérie de 2014) que morria o personagem principal, do Cauã (Reymond). Eu fazia o irmão dele, e recebia a notícia. Minha reação foi fugir da câmera. Waltinho não entendia: “Para, menino! Tá indo pra onde?” Não sabia lidar com a morte. Não foi covardia ou medo bobo, mas respeito ao desconhecido. Perdi um primo próximo, mas eu era muito novo. Quando a cena veio, me debati pra entender esta perda sem volta. Coisas que estão e de repente não mais. Aprender a aceitar perdas dói muito.
"Pantanal” denuncia a perda ambiental. Este é um tema que te move?
Sim, e após ter gravado lá, ainda mais. A beleza estética audiovisual e a saga de gerações de uma família em busca de sua origem, em meio à mensagem da preservação da natureza, são centrais para a novela estar dando tão certo. E há um paralelo com o Brasil.
De que modo?
Estamos traumatizados pelo governo atual. Também estamos à procura de um berço, da pátria perdida, diluída em um patriotismo mentiroso. Esta é uma novela esperançosa. Estou muito esperançoso sobre o lugar em que estaremos daqui a pouco e a capacidade de entender como chegamos aqui.
Há dez anos você filmou “Tatuagem” com Irandhir (Santos). Como é tê-lo ao seu lado em “Pantanal”?
Não é mero acaso. Algo está mudando na TV. Sinto que há um desejo de se incluir na novela algo relacionado ao meu olhar, aos projetos que fiz, onde há reflexão sobre o gay e a sexualidade. Querem extrapolar ali essas barreiras, que bom! E Irandhir, que é um feiticeiro, agora é meu “maninho”. Olho e vejo nele a memória do meu corpo. O Brasil precisa de uma evolução imagética e cultural que celebre a liberdade e a verdade representada, neste caso, também, por nós dois. Às vezes, a gente perde a mão das coisas, na vida, no país, mas a mentira não tem dignidade alguma, a verdade se sobrepõe. Esta é uma das funções deste “Pantanal”.
Você está em um momento sereno? Está feliz?
Calmo? Huuum... estou vivendo um turbilhão, nos próximos dois meses gravarei os capítulos finais da novela no Rio. Mas gosto de ser feliz, escolhi ser feliz, e acho até que estou me apaixonando. Preciso ter cuidado...
Que nada, mergulha, Jesuíta!
É que às vezes não sei nem que água é e vou. É um córrego do meu amado Recife e o menino vai lá e se joga. Mas pode ser um rio límpido do Pantanal, só se sabe pulando, né? Tá bem, vou, mas com uma asinha nas costas pra dar um pouco de segurança (risos).