Natália Lage interpreta Natália em
Reprodução/TV Globo
Natália Lage interpreta Natália em "Um Lugar ao Sol"

Dos 43 anos de vida de Natália Lage, 34 foram acompanhados pelo público. Desde a esperta menina Mariana, do seriado “Tarcísio & Glória” (1988), sua estreia na TV, passando pela adolescente hippie Adrenalina, de “Tropicaliente” (1994), novela que chega amanhã ao Globoplay, até a médica homossexual Gabriela, de “Um lugar ao sol”, exibida no horário nobre da Globo, a niteroiense cresceu e apareceu diante de gerações de telespectadores. Neste caminho, ela enumera, houve desilusões com a profissão, uma faculdade de Ciências Sociais “para trabalhar o pensamento e abrir o olhar para o mundo”, exposição exagerada, concessões que precisaram ser feitas... e a certeza de que ser atriz é sua primeira e maior paixão.

" Eu não tenho a visão ingênua do “Que fofura crescer na frente das câmeras!”. É duro, difícil, um monte de gente desiste. Sou uma sobrevivente. Batalhei muito pelas minhas conquistas, para hoje poder selecionar os meus trabalhos, estar com as pessoas que eu admiro, levantar questões em cena em que eu acredito. Não sei se isso é sorte, mas é uma bênção. A gente só precisa estar confortável por dentro, não ficar se comparando a outros. O seu lugar como atriz existe, seja fazendo uma peça experimental para 30 pessoas ou uma novela para milhões. Eu estou tranquila com as minhas escolhas, com o meu tamanho e com o meu lugarzinho ao sol (risos)", afirma Natália, que considera o teatro “um espelhão”. "No palco, a gente encena histórias e faz as pessoas se identificarem e refletirem sobre elas. Isso cura. Isso paga todas as dificuldades".

Em 2015, quando fixou residência em São Paulo para se dedicar à produção da peça “Jacqueline”, sobre a violoncelista britânica Jacqueline Du Prét, a atriz foi seduzida por uma outra vertente artística: a pintura. Fez cursos de colagem e aquarela, até que chegou às telas de tinta acrílica. E, quando voltou a morar no Rio, mudou-se para uma casa grande no Itanhangá, na Zona Oeste, onde fez da garagem o seu ateliê.

"Fui comprando telas cada vez maiores porque entendi que a minha onda é a do expressionismo abstrato. Preciso de espaço para poder me jogar. Não funciona em quadros pequenos porque não é um trabalho de detalhe, mas de jorro, visceral. Brinco que minhas telas só não são maiores porque eu não tenho pé-direito alto em casa (risos). Meu sonho é ter quadros de 3m x 5m. O meu maior até agora tem 2m x 1,80m, o dobro de mim. Pra virar e botar no chão, é um trabalho físico árduo, mas muito prazeroso", detalha ela, que recebeu a equipe do Extra em seu espaço particular criativo e posou na companhia de suas coloridas criações. "Essa atividade tem me alimentado. Eu acredito que o artista tem várias formas de expressar como percebe o mundo. E é difícil, depois de tanto tempo de carreira, ousar sair da redoma, do lugar onde já conquistei alguma coisa e estou, relativamente, segura. Sou muito emotiva, mas ainda mais cerebral. Quero sempre saber os porquês, intelectualizar. A pintura surgiu para me libertar do código racional de tentar explicar ou dar motivo para tudo. É o resgate de uma liberdade quase infantil, de me soltar com as tintas, brincar com as cores sem o compromisso que sempre fez parte da minha história. História de alguém que começou a trabalhar muito cedo, sempre se cobrou demais e quis fazer tudo certo, bem CDF".

De início, Natália exibiu suas obras no Instagram, num perfil que faz trocadilho de seu sobrenome com a técnica de sobrepor imagens: co_lage. Tão logo, recebeu um convite para reabrir uma galeria de artes em Búzios, na Região dos Lagos, e outro para uma mostra no bairro onde mora... Vendeu algumas das mais de 40 telas já produzidas, deu outras de presente, “porque tenho coração mole”, entrega. E agora se prepara para levar seus quadros para uma exposição no Espaço Cultural Correios, em Niterói, a partir do dia 19 de março.

"Vai ser incrível que meus conterrâneos vejam o que ando aprontando", anima-se, contando que mantém muitos elos com a Cidade Sorriso. "Eu amo Niterói, me sinto muito de lá. Com exceção da minha mãe, que está aqui no Rio, todos os meus parentes ainda moram do outro lado da Ponte. Acho Itacoatiara a praia mais bonita do Brasil. Como ainda não fui a Fernando de Noronha, ela continua no meu Top 1 (risos)... Tenho uma memória muito viva de quando eu estudava numa escola em Pendotiba, e a professora da alfabetização elogiou meus desenhos, afirmando que eu levava jeito pra coisa. Isso ficou guardado em mim. Também lembro que na casa onde eu morava tinha uma réplica do (artista plástico espanhol) Miró. Algumas obras minhas flertam com as dele, nos traços, nas cores... Têm uma ludicidade, uma energia parecida".

“Corda bamba” é o título que Natália atribuiu à sua mostra, numa referência ao momento atual de incertezas.

"Não só no mundo, como um todo, mas também no meu particular. Estou me jogando num negócio novo que, ainda por cima, é de arte abstrata. Vai para lugares que eu desconheço. Eu pinto e não sei onde vai terminar. Não tem croqui nem esboço, vou delicadamente definindo. Isso é uma corda bamba", sublinha.

A pintura funcionou, ao mesmo tempo, como terapia e trabalho durante a pandemia da Covid.

"É um processo meditativo. Eu busco o não controle, deixo acontecer. Por isso, é tão libertador. Fiquei dois anos inventando vida. Fiz ginástica, li, vi filme... Chegou uma hora em que as possibilidades se esgotaram. Eu queria trabalhar, coisa que faço desde pequena. Pra mim, fez muita falta. A novela parou e voltou umas três vezes, antes de chegar a minha hora de gravar. Fiquei ansiosa. Acabei encarando a pintura como trabalho, com disciplina", relata, acrescentando: "Tenho projetos ainda suspensos, que acredito que vão acontecer. Um deles é a série sobre Betinho (com direção de Sérgio Machado, para o Globoplay). Estou escalada para fazer a primeira mulher dele (Irles Carvalho). Preciso ler de novo o roteiro".

Longe das novelas desde uma participação rápida em “Pé na jaca” (2006) — seu último papel fixo tinha sido em “A lua me disse”, um ano antes —, Natália comemorou o convite do diretor Maurício Farias para integrar o elenco de “Um lugar ao sol”.

"Eu emendei quatro anos de “A grande família” (2007 a 2011), mais quatro de “Tapas & beijos” (2012 a 2015). Fiz séries, peças, filmes... Mas as pessoas estavam com saudade de me ver em novela. Eu me sinto querida, é legal perceber que tem muita gente acompanhando a minha trajetória", festeja a atriz, que reencontrou nos bastidores das gravações uma amiga de longa data. "Conheci Andréa (Beltrão) quando Maurício, que já era marido dela, me dirigiu em “O amor está no ar” (1997) e ela o acompanhou numa viagem. Depois, fiz uma participação num quadro do “Fantástico” com ela. Quando cheguei em “A grande família”, Andréa já estava, e aí fizemos “Tapas” juntas. Tivemos só uma ou duas cenas na novela, mas é muito bom estar perto da minha musa, uma mulher talentosa, inteligente, engraçada, ousada, de fibraConheci Andréa (Beltrão) quando Maurício, que já era marido dela, me dirigiu em “O amor está no ar” (1997) e ela o acompanhou numa viagem. Depois, fiz uma participação num quadro do “Fantástico” com ela. Quando cheguei em “A grande família”, Andréa já estava, e aí fizemos “Tapas” juntas. Tivemos só uma ou duas cenas na novela, mas é muito bom estar perto da minha musa, uma mulher talentosa, inteligente, engraçada, ousada, de fibra".

Na trama de Lícia Manzo, Rebeca (Andréa) já confessou ter ciúme da amizade de Ilana (Mariana Lima), sua prima e fiel escudeira, com Gabriela, que chegou para revirar o passado e os sentimentos da (agora ex) mulher de Breno (Marco Ricca).

"Minha personagem apareceu, deu o ar da graça, saiu rapidinho e agora está voltando com tudo, para causar", avisa.

Cada vez mais próxima da médica, depois de ter declarado o fim de seu casamento com o fotógrafo, Ilana vai confessar a Rebeca, esta semana, que está apaixonada por Gabriela. Em breve, o beijo do qual ela fugiu anos atrás finalmente vai acontecer entre as duas. Se haverá cenas mais quentes, Natália desconversa. Mas afirma que as encara com naturalidade:

"Até um momento da minha carreira, eu tive questões com cenas de sexo. Mas isso se rompeu e eu consegui achar uma liberdade comigo e com o meu corpo. Graças a Deus, encontrei companheiros de trabalho legais pelo caminho, e tudo fluiu", conta, afirmando que ela e Mariana ficaram muito confortáveis uma com a outra nas cenas de intimidade. "Mari é muito generosa, simples, gente como a gente. E é tudo megaprofissional, está todo mundo ali trabalhando, não há constrangimento".

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Enquanto Mariana Lima já se declarou bissexual, Natália se diz hétero, e afirma nunca ter se interessado sexualmente por outras mulheres:

"Nunca aconteceu... Eu acho mulheres bonitas e legais, mas essa admiração nunca virou outra coisa. Não tive um desejo, a priori, de beijá-las, de ficar junto. E sempre estive namorando homens, então nunca pensei sobre. Acho que eu não teria problemas, se talvez me interessasse".

A temperatura do público, por sua vez, já está alta. Pela percepção que vem tendo por meio das redes sociais, Natália conta que quem lhe é simpático também costuma torcer pela formação do casal Gabriela e Ilana:

"As pessoas estão muito excitadas, postam no Twitter que querem ver as duas juntas. Sinto um frisson vindo de quem gosta de mim e vem falar sobre isso comigo. O que me chega é positivo, mas também deve haver uma parcela que está detestando, que não aprova. Infelizmente, ainda existe um tabu. Meu desejo era que a orientação sexual dessa personagem não fosse uma questão. Queria que esse assunto fosse tratado com mais naturalidade, não virasse tema. Mas ainda é assim. Os telespectadores ficam muito mexidos com a ficção porque é algo não aceito na sociedade real. Num mundo ideal, gays não precisariam falar sobre homossexualidade; pretos não enfrentariam o racismo; gordos não seriam vítimas de gordofobia. A gente ainda está caminhando para romper com todos esses preconceitos, mas vai demorar um tempo. Pessoas são muito mais do que esses rótulos que impõem a elas".

Também por isso, dar vida a Gabriela foi tão especial para a atriz, que já havia interpretado uma personagem lésbica, a stripper Isabel de “Questão de família” (2017), série do GNT.

"Me interessava muito levantar essa questão LGBTQIAP+ numa novela do horário nobre, falar em nome dessa galera que está levando tanta porrada neste momento, muito em virtude de uma ideologia que é propagada a partir do governo, que legitima a postura preconceituosa. É a oportunidade de dar voz a essa mulher, sem estereótipos. Colocá-la no lugar de alguém que apenas vive a sua vida e se apaixona por outra mulher. Alguém cuja orientação sexual, que não diz respeito a mais ninguém, não modifica seu caráter. Essa é a minha maneira de ver. À medida que eu fui lendo a história e percebendo como Gabriela se colocava, fiquei mais encantada por ela. Que mulher bacana, firme e íntegra! Até o modo como se aproxima da Ilana é muito respeitosa. Elas tiveram aquela história no passado, isso ainda mexe com Gabriela, mas ela é supercomprometida com o trabalho. E não vai atravessar nada que ponha em risco essa amizade, como fez 20 anos atrás", observa Natália, que cortou o cabelo curtinho para a caracterização da médica, também vista sem maquiagem nem acessórios em cena.

Atacada na internet sempre que se posiciona politicamente, Natália diz que dá risadas toda vez que tentam ofendê-la sem fundamentos.

"Sou a “rainha da mamata e da Lei Rouanet” para esses robôs, coitados. Não me dói aquilo que eu não introjeto. A minha convicção é tão estabelecida, que, quando escrevem besteira, fico com pena. Me dá vontade de chamar e conversar. Vou continuar me colocando, embora não ache que todos tenham que se colocar. Ninguém é obrigado, as pessoas são livres, inclusive para ficarem na sua. Não quer se comprometer, não se comprometa. Agora, defender um troço que está fazendo mal para tanta gente, aí é complicado!", indigna-se.

Enquanto isso, seu namorado, Silvio Guindane, nem rede social tem. O ator, de 38 anos, costuma repetir para a amada que as pessoas só precisam saber dele pelo trabalho.

"E está certo, acho muito nobre. Quem do nosso meio, além dele, não tem rede social? Wagner Moura, Camila Morgado... Só gente chique! — acha graça Natália, alertando à repórter que Guindane não gosta que ela entregue muito sobre o relacionamento dos dois". A gente se conhece há muitos anos. Sempre quando nos encontrávamos, ele estava casado, eu também. Até que aconteceu de nos esbarrarmos com ele já separado e eu solteira. Começamos a flertar, namorar e estamos morando juntos, meio casados, há dois anos e meio.

Os dois começaram a se olhar de maneira diferente quando Natália substituiu Gabriela Duarte, que fazia par com o ator, na peça “Perfume de mulher”, em janeiro de 2020.

"Ambos começamos como atores mirins. Ele também é um sobrevivente", observa Natália, enumerando adjetivos para o seu amor. " Ele é um cara muito batalhador, por quem eu tenho uma admiração profunda. Sempre o achei um ator fora da curva, com escolhas acertadas, talentoso e competente. Mas também é um ser humano admirável, com coração gigante, generoso, parceiro, amigo...".

Ela conta que os dois alimentam a vontade de realizar mais projetos em conjunto. Profissionais e pessoais. Ter um filho está nos planos do casal, revela a atriz, que congelou óvulos aos 39 anos.

"Foi no limite (do que é considerada a idade reprodutiva feminina). Tomei essa resolução por segurança, porque até aquele momento a maternidade não tinha acontecido. Mas já treino esse lado maternal com os meus sobrinhos. Meu irmão tem três filhos: Sofia, de 9 anos, Bernardo, de 8, e Maitê, de meses. Sou apaixonada por eles! E Silvio tem um filho de 4 anos, João (do casamento anterior, com a cineasta Julia Rezende). Minha relação com meu enteado é ótima! Ele leva jeito para as artes, já pintamos um quadro juntos", conta orgulhosa.

Na última semana, em “Um lugar ao sol”, Ilana e Gabriela tiveram uma conversa sincera sobre a pressão pela maternidade. Natália confessa que também não escapou à situação.

"Nós, mulheres, sofremos o tempo todo, com as mais diversas questões, desde que nascemos. Inclusive, quando decidimos ser ou não mães. Existe um padrão pré-estabelecido: você tem que nascer, crescer, estudar, trabalhar, casar, ter filhos e morrer. Se a sua trajetória foge à regra, estranham. Só que indivíduos são únicos, com trajetórias únicas, não comparáveis. Em certo momento, achei que talvez não fosse conseguir ter filhos. E os comentários alheios pesavam, porque eu tinha essa questão interna. Hoje em dia, não me importo. Posso, sim, ter filhos, na hora em que eu quiser."

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