Presenças de protagonista e vilão é são importantes para esquentar o jogo
Arte/O Globo
Presenças de protagonista e vilão é são importantes para esquentar o jogo

De Carminha a Karol Conká, passando por Darth Vader e Rainha de Copas. De Nina a Juliette, passando por Luke Skywalker e Alice em seu País das Maravilhas. Pode ser na ficção, pode ser num reality show, o papel de um vilão e de um mocinho é essencial para alimentar a narrativa, o conflito, o antagonismo. Produtos tradicionais da TV brasileira, como as novelas, e fenômenos mundiais desta era, como os realities, bebem desta fonte milenar. E quando estes arquétipos não aparecem?

Na edição passada do “Big Brother Brasil”, sobravam vilões. E as redes sociais pegaram fogo. Desta vez, é justamente a ausência (ao menos por enquanto) de um malvado favorito que vem mobilizando as conversas no mundo digital.

"As coisas que mais nos atraem são as narrativas do antagonismo, do vilão versus mocinho e da jornada do herói. A Humanidade é seduzida por isso há milênios", analisa Eloy Vieira, pesquisador do Laboratório de Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias (Cultpop) da Unisinos.

Cada um na sua

O escritor e roteirista Alessandro Marson conhece bem os dois lados dessa moeda do entretenimento. Isso porque é autor de novelas como “Nos tempos do imperador”, que terminou anteontem, e “Novo mundo” e também fã de realities como “Big Brother Brasil”. Sabe como ninguém como a audiência valoriza oposições.

"Uma regra da dramaturgia é: quanto mais forte o protagonista, mais forte é o antagonista. Um estimula o outro. E no “BBB” isso acontece também", diz Marson.

Vilões e mocinhos, no entanto, nem sempre são simples de ler, independentemente do formato televisivo. Deborah Secco que o diga. Com mais de 20 novelas em 25 anos de carreira, a atriz tem um punhado de tipos no currículo. Mas o que vêm à sua cabeça — e na do público — na hora de listar os maiores sucessos acabam sendo os personagens mais perversos. Como Íris, de “Laços de família”, novela de Manoel Carlos exibida em 2000. A personagem, que se apaixonava por um homem mais velho (Pedro, interpretado por José Mayer), aprontava poucas e boas com a sobrinha (Camila, vivida por Carolina Dieckmann), mas ganhou a simpatia de muitos.

"Muitas pessoas assistem a novelas pelos vilões. Quando fiz mocinhas, sofri mais (risos). Mas antes da primeira grande maldade tem que ter carisma. Gostamos de vilões como a Íris, porque ela lutava pelo homem que amava, era excelente irmã (de Helena, a atriz Vera Fischer)", conta a atriz. Lembro que havia um grande grupo que a odiava, mas outro que a adorava. Dividimos muito o público. Tanto que, no final da novela, ela teve final feliz com o personagem do José Mayer."

Fã de “Big Brother Brasil” (ela já chegou a passar um dia na casa, no “BBB 8”), Deborah analisa esses tipos de arquétipos dentro de um reality e acredita que o carisma é o que conta, não importa em que caixinha o participante esteja.

"Quando o vilão é só chato, ele é rapidamente eliminado", opina, emendando o papo com a saída do gerente comercial Rodrigo, no último paredão. "Ele era um vilão sem carisma e, nesse papel, você precisa convencer todo mundo no jogo. Quando eu faço vilã, tento fazer tudo para ela ser doce, divertida, espontânea."

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Pesquisadora de reality show do programa de doutorado em Comunicação da Universidade Federal no Rio Grande do Sul, Gabriela Habckost concorda: dualismos são essenciais, ainda mais numa sociedade tão acostumada com os folhetins.

"O reality é um formato híbrido. Ao mesmo tempo em que imita a realidade, necessita de artifícios narrativos", explica. "As pessoas precisam identificar os personagens como se fosse uma novela. Por isso, é tão importante ter o grupo do bem e o do mal."

"O que fica no imaginário é o conflito"

Conflitos são outro ponto-chave para entender o sucesso de um programa de entretenimento. Mas qual o limite? Na ficção, as fronteiras podem até ser mais elásticas. Mas em casos de confinamento de pessoas reais, por mais que o objetivo seja deixar os participantes à flor da pele para que apareçam vilões e mocinhos, o público espera um certo decoro. “Treta”, afinal, não quer dizer história de violência.

Por isso, no ano passado, muita gente achou as primeiras semanas do “BBB 21” pesadas demais, com todas as complexidades psicológicas e questões de saúde mental envolvidas na relação entre Lucas Penteado, Karol Conká, Projota e cia.

A calda de chocolate

O público, reflete o pesquisador Eloy Vieira, não quer assistir a cenas de racismo, transfobia e gordofobia na casa, mas não se importa, por exemplo, com uma briga como a de Juliette e Fiuk por causa da calda de chocolate de um bolo. E também se diverte com acontecimentos do tipo “eu não vim do lixo para perder para basculho”, entre Gil do Vigor e Pocah, ou Tina, do “BBB 2”, batendo panela e tirando a paz da casa.

"Todos os barracos são icônicos. Quais cenas de novela são lembradas: as confusões ou os beijos? O que fica no imaginário é o conflito", diz Eloy.

"Numa novela, por exemplo, quando os objetivos não são claros, por quem a audiência vai torcer?", questiona o autor Alessandro Marson, citando o enfrentamento antológico de um dos maiores clássicos recentes da teledramaturgia brasileira. Em “Avenida Brasil”, era evidente: torcer para Nina (Débora Falabella) se vingar da Carminha (Adriana Esteves).

Nas redes sociais, porém, Carminha é mais lembrada que Nina. A própria Karol Conká brincava, quando saiu da casa, que era a nova Carminha.

"A premissa dos realities é estabelecer julgamentos. Quando estamos envolvidos, nos mobilizando, sentimos amor, ódio, sentimentos misturados, e depois passa. A história vai sendo escrita em novas edições e acabamos mudando de percepção. Tanto que hoje Prior e Karol estão sendo ressignificados de alguma maneira, viraram uma brincadeira, com referências como vilões de novela", diz a pesquisadora Gabriela Habckost.

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