Pela primeira vez em uma produção de grande porte, a cantora Liniker protagoniza a série da Amazon Prime Video 'Manhãs de Setembro ', que retrata a vida de uma mulher trans que é fã da Vanusa e que canta os sucessos da cantora. A história, repleta de conflitos pessoais e sociais, é a aposta da plataforma de streaming para retratar LGBTQIA+ de forma humanizada.
Em entrevista coletiva, a dona do hit "Zero" conta que passou a admirar ainda mais Vanusa. Na série, a cantora da Jovem Guarda é a bússola da carreira de Cassandra, interpretada por Liniker, "Desde quando ela iniciou nos anos 1960, ela trouxe uma tecnologia no vanguardismo muito grande, que inicia muitas coisas. A ídola da Cassandra ser alguém do passado a faz olhar para ela e colocar um ponto seguro, a Vanusa dá colo para Cassandra que é quando ela consegue se alinhar um pouco dentro de todas as violências que ela vive", conta Liniker.
A artista mergulhou na carreira de Vanusa para entender o amor que a personagem sentia pela cantora. "Vi os vídeos, os discos, entendi o corpo político que essa mulher tinha", diz. O amor que Cassandra tem por Vanusa na série fez com que Liniker reavaliasse a relação dela com os fãs. "Toda a admiração que a Cassandra tem por ela me inspira enquanto uma pessoa que admira outra pessoa que canta e me faz motivação de vida, e é especial até entre a minha relação com meus fãs", conta.
"Isso faz com que seja uma força motriz, acho que consegui distanciar a Liniker fazendo 'Manhãs de Setembro' e a cantora compositora que está fazendo um novo álbum, o trabalho em inspira em estar inteira no audiovisual como no cantora e fazedora de discos", comenta Liniker, que está preparando um novo disco para o segundo semestre de 2021.
Infelizmente, Vanusa não conseguiu ver o resultado da série, apesar de estar ciente da produção. Ela morreu em novembro de 2020 . "Um dia estávamos em uma cena superdifícil e a gente recebe a notícia da morte dela, foi algo muito intenso e trouxe um lugar de entender o quão importante é a relação dela [Cassandra] com a Vanusa", conta.
O diretor Luís Pinheiro conta que foi feito um convite para Vanusa, quando ainda estava consciente. "Ela sabia da proposta da série, a gente tratou com o filho dela [Rafael Vanucci] o tempo todo sobre direitos e tudo. De qualquer forma, ela era muito favorável à ideia, deu consentimento e negociamos tudo com o herdeiro. Mas é uma pena que a gente não a tenha para ver essa homenagem que a gente faz a ela", diz.
Para Liniker, interpretar Cassandra trouxe coragem. "O que tem de Liniker na Cassandra é ela não ter medo de tentar, pensando da minha trajetória saindo de Araraquara e indo para São Paulo atuar, sem família, sem dinheiro, sem nada e ainda transicionando sozinha, me vi assim. Uma coisa que a Cassandra trouxe para mim foi coragem, de coisas pequenas assim de ir para frente, de demarcar o meu espaço, essa kitnet é minha, esse romance é meu, essa vida é minha", conta.
"A Cassandra me fez desejar como há muito tempo eu desejava. Meu primeiro set, mesmo que seja uma atriz saindo de Araraquara, nunca tinha feito com essa grandeza, é muito doido entender como cada ala é responsável por um embrião da série", declara Liniker.
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Série 'Manhãs de Setembro' estreia dia 25
A produção que tem estreia marcada para esta sexta-feira (25), conta a história de Cassandra, a vida dela e os conflitos que ela tem ao descobrir que tem um filho com Leide, personagem de Karine Teles. Gersinho (Gustavo Coelho) tem 10 anos na série e procurava o pai para ajudar a ele e a mãe, que moram em um carro no centro de São Paulo.
Além disso, há narrativas paralelas, como a história de amor entre Ivaldo (Thomás Aquino), um homem cisgênero e casado, e Cassandra. Para Liniker, o relacionamento dos dois serve para mostrar que transexuais e travestis podem ter um relacionamento afetivo. "Entre os desfechos dos relacionamentos com pessoas trans estão muitos casos de violência, como temos aí dados e números que crescem cada vez mais. Meu grande trabalho é não acreditar nessa estatística para não enrijecer o afeto que acredito que eu e outras pessoas trans merecemos", conta.
O convite para interpretar Cassandra interessou Liniker pelo diferencial da série. "Acho que o que mais me atraiu foi a possibilidade de criar um imaginário real sobre uma pessoa trans, tendo em vista o país que vivemos e toda a violência que pessoas trans e negras sofrem e sobre a rede de afeto. Poder criar uma personagem que tinha relação humana e social e que a Cassandra não tava nesse lugar encaixotado em que muitas narrativas colocam mulheres trans, que é sempre em situação de violência e marginalizado", comenta.
Karine Teles conta que o processo de preparação dos personagens foi feito por vídeo, por conta da pandemia de Covid-19. "A gente teve um trabalho de preparação com o Rene Guerra, Deus, maravilhoso e fundamental nesse processo tão novo, que foi à distância, a gente não se conhecia, então todo o primeiro contato entre a gente foi tudo à distância com a mediação do Rene", lembra.
Ela também diz que passou a admirar mais ainda Liniker depois do trabalho em 'Manhãs de Setembro'. "Para mim era importante saber quem era a Cassandra e quando eu entrei no trabalho eu tinha certeza que a Liniker faria um lindo trabalho. Eu acredito que as parcerias são essenciais para os atores".
A série conta com a roteirista Alice Marcone, que é transexual e trouxe uma visão pessoal para dentro da produção. Para ela, a série mostra a possibilidade de ser quem é. "Uma das importâncias de ter tudo isso, penso pelos dois lados da moeda, sendo uma mulher trans e preta aprendo que é possível ser quem eu sou. Temos uma saúde mental muito complicada, ainda mais no contexto de hoje. Quando ela [Cassandra] pauta o afeto do jeito que faz, ela chega na casa do brasileiro e do mundo", acredita.
Para Liniker, ter Alice no roteiro fez com que a personagem de Cassandra fosse mais humana. "Ter ela como roteirista fez com que o lugar da personagem fosse humanizado e legitimado pelo ponto de vista onde não ficasse tão exposta e caricata. Porque quando o audiovisual começa a retratar nossas realidades desse jeito, uma roteirista trans que tem a vivência do que é ser travesti, trans, trouxe segurança de saber que Cassandra não seria exposta dramaturgicamente", diz.
Na série há homenagem a Marielle Franco
Na produção, há referências a Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro executada em 2018 . O diretor Luís Pinheiro conta que foi algo acidental, mas que foi perfeito para a série, que retrata a luta de uma mulher LGBTQIA+ preta.
"Citar sobre Marielle não foi planejado, mas íamos colocar nomes nas ruas para estar no Brasil e estar em São Paulo. A alameda Marielle Franco ficou em quadro como existem vários signos escondidos ou que vazam por meio da série refletem a indgniação que temos com o descaso. Além disso a gente tem de ficar apto a ouvir tanta barbaridade como a gente está vivendo nesses tempos. É uma maneira da gente resistir também e homenageá-la", conta.
"A nossa história de cara não contempla essa polarização politica, mas ela é um contraponto a um governo de extrema-direita. É importante como elemento de resistência, a nossa personagem principal ser uma mulher preta e trans e uma heroína importante em termos de resistência", acredita.