A estreia de “Senhora do Destino” em 2004 marcou 52 pontos de audiência , com a história de Maria do Carmo. Oito anos depois, esse número seria alcançado no desfecho de outra novela das 9, com a história de Ritinha e sua madrasta má Carminha em “Avenida Brasil”. Apesar de ser uma das maiores novelas da história da emissora, a trama de João Emanuel Carneiro já mostrava que, mesmo com bons índices, o número de espectadores já começava a diminuir.

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História da madrasta má e da jovem injustiçada fez sucesso em
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História da madrasta má e da jovem injustiçada fez sucesso em "Avenida Brasil"

A explicação mais simples para esse fenômeno é que ao invés de uma TV só, hoje as famílias têm mais. Ao invés de um canal, 100, e ao invés de um programa interessante no horário, mais de uma dezena. Isso, claro, explica a diminuição dos números. Mas não explica porque as tramas das  novelas das 9  tem histórias tão pouco envolventes e, no geral, tão esquecíveis. Além disso, é preciso agradar a um público bem maior e mais heterogêneo. “O público no horário é muito diferenciado. É a família inteira que esta assistindo. Conquistar essas diferentes faixas etárias com personagens é um desafio”, comenta Julio Cesar Fernandes, mestre em Comunicação com ênfase em TV, pesquisador e professor universitário do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.

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Gregos e troianos

O público que assiste ao horário é mais diverso que em outras faixas. As novelas da 18h tem um público grande de donas de casa. As tramas podem ser de época, mais literárias e até mais experimentais. Às 19h a prioridade são temas mais leves, de comédia. Porém, as 21h, toda a família está em casa. E mantê-la unida na frente da televisão assistindo ao mesmo programa tem sido um desafio cada vez maior. “É preciso estar bem costurada (a trama), mas não pode ser cheia de lições de moral, nem personagens com muito carisma ou muito amargurados”, explica Julio.

Não existe uma receita de bolo que faça uma novela dar certo, mas o público tem que se identificar com os personagens. “É preciso ter personagens que tenham uma empatia com o público. Um enredo bem costurado. Temas relevantes, mas não uma colagem de temas”, complementa.

Ele comenta que, de 10 anos para cá, a prioridade foi de tramas urbanas, que refletem bem a realidade (com exceção de “Velho Chico), o que pode ser um fator do desgosto popular. “Por ser uma ficção talvez falte um pouco de fantasia”, completa.

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Complexo de “Branca de Neve”

Foi em Beto Rockfeller, lançada em 1968 pela TV Tupi, que o modelo de novela que conhecemos hoje foi estabelecido. Antes, os folhetins eram mais próximos a temática americana, com histórias que não refletiam o Brasil e os brasileiros. Em seguida, a Globo desenvolveu “Véu De Noiva” com Janete Clair e éramos então apresentados a novelas que se passam no país, tratam de temas mais atuais, mostram moradores de bairros do subúrbio e histórias relacionáveis.

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O conceito de mocinha e vilã, ou do casal apaixonado que luta para ficar junto também ficou enraizado, tornando-se parte integral de todas as novelas. E, em muitos casos, esse tema funciona, mas é quando sai desse molde que as novelas se superam. “Roque Santeiro” é o folhetim de maior audiência da história, chegando a atingir 67 pontos, número bastante improvável nos dias de hoje. Apesar de tratar de romance, a trama tinha uma protagonista mulher forte, a Viúva Porcina ( Regina Duarte ), dividida entre Roque Santeiro (José Wilker) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte). Já “Fera Ferida”, outro sucesso do horário, tratava do tema de vingança, que voltaria a agradar em “Avenida Brasil” quase 20 anos depois. Nesse meio tempo, Manoel Carlos se consagrou como autor, levando as telas sua “Helena”, sempre focando em conflitos familiares, e a vitória do amor no final. Porém, os temas ficaram cansativos e, com mais opções de entretenimento, o público começou a dispersar.

Maneco, inclusive, não deve mais escrever tramas das 21h na emissora. E nem Gilberto Braga, que tropeçou em seguida com “Babilônia”. As novelas foram tão mal que a emissora decidiu não apostar mais nos autores para o horário, mantendo-os apenas para histórias mais curtas, como na faixa das 23h.

Nesse cenário, podemos acompanhar uma diminuição da audiência, que tem preocupado as emissoras. A média de audiência das novelas na última década fica na casa dos 30 pontos, metade do feito alcançado por “Roque Santeiro”. Uma das poucas a conseguir quebrar esse molde foi justamente “ Avenida Brasil ”, que encerrou nos 52 pontos.

Com Viúva Porcina (Regina Duarte) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte),
Divulgação/TV Globo
Com Viúva Porcina (Regina Duarte) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte), "Ro que Santeiro" foi sucesso de audiência

A novela somou uma história clássica, com um contexto social que refletia a atualidade de 2012. “Avenida Brasil tinha uma história muito forte: a menininha abandonada pela madrasta malvada volta anos depois para se vingar. É uma variante moderna de um conto de fadas que todo mundo conhece, “ Branca de Neve ”. Juntou-se a este enredo o cenário do subúrbio afluente carioca - cheio de gente que não consumia antes, e que passou até a ostentar - e tivemos uma novela perfeitamente em sintonia com o Brasil de 2012, pré-crise econômica”, explica o colunista e especialista em televisão Tony Goes.

A mudança de tempo, que já virou praxe também no horário, pode estar com os dias contados. Julio comenta sobre as dificuldades que “Velho Chico” enfrentou, mesmo com um começo forte, estreando com 35 pontos. “A primeira fase da novela tinha um ritmo bom, ela fugiu do clássico. As primeiras semanas tiveram uma resposta muito boa do público, mesmo com as diferenças de luz, cena, cores. Mas acho que tantas mudanças, inclusive de época e muitos personagens, dificultaram para entender quem era quem”, comenta. Ele acredita que isso confundiu o espectador. Algo similar aconteceu em “A Lei do Amor”, com Vera Holtz participando de todas as fases, enquanto outros atores mudavam de uma época para outra. 

Fica ou sai?

Alguns aspectos estão presentes sempre em tramas das 21h: núcleo cômico, elenco extenso, muitas tramas paralelas. Mas será que isso também não está desgastado? “Há um desgaste do gênero ‘novela-da-Globo’: seis meses no ar, elencos repetidos, historinhas de amor, núcleo cômico, mais do mesmo”, comenta Goes. A solução para uma descendente no horário pode estar em um melhor equilíbrio desses temas.

A própria Glória Perez , no ar com “A Força do Querer”, errou a mão em “ Salve Jorge ”. Com tantos núcleos e histórias diferentes, a novela se perdeu e acabou com baixa audiência. Mas a autora parece disposta a mudar isso com a novela atual – “A Força do Querer” começou mais enxuta, com histórias entrelaçadas, mas personagens distintos e, de modo geral, bem amarrada.

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Caiuá Franco/Globo
"Velho Chico" inovou no formato, mas acabou sofrendo para sair da casa dos 20 pontos de audiência

Isso reflete-se nos números também. A novela estreou bem, e suas primeiras semanas mostram que ela tem melhores chances de engatar do que suas antecessoras. Ao contrário de “A Lei do Amor” e “ Velho Chico ” que não superaram a média de 25 pontos no período, a trama de Glória já se mantém na casa dos 30.   

Reflexo

Assim como fez “ Beto Rockfeller ”, é importante que as novelas sejam um reflexo da nossa sociedade. Mas isso também pode ser um problema. Cansado do seu dia a dia, o público procura um escape no entretenimento das novelas. “A novela deve informar e pode ser educativa, mas seu principal objetivo é entreter”, comenta Julio. Para ele, o público está cansado de temas tão realistas, e um pouco de fantasia não faria mal. “Novelas das 9 tem temas complexos, muitos lados de um mesmo assunto. E muitas vezes a novela tem que fazer o básico mesmo, bem e mal”, sugere.

Ele aposta em uma temática social presente, mas leve, e investimento em bons romances e mais fantasia. “É preciso que se aborde temas importantes, um ‘merchandising social’, mas é necessário um fio condutor muito bom e com bons personagens. Se a gente volta nosso olhar para as novelas das 18h, por exemplo, que tiveram sucesso (como “Êta Mundo Bom”) o elenco era enxuto, não tinha tantos personagens, nem muitos núcleos. Isso na novela das 21h ao longo do tempo pode confundir a proposta original”, comenta.

Segmentação

Assim como outros horários da emissora tem público segmentado, suas concorrentes buscaram seu nicho também. Assim, o SBT alcança boas médias com infanto-juvenil, enquanto Record aumenta a marcação com a temática bíblica. Por quê, então, a Globo não investe em temas segmentados? Além do fato de que a audiência da emissora no horário ser tão distinta, Goes lembra que já houveram tentativas de explorar determinadas temáticas, como a policial em “A Regra do Jogo” e a romântica de “Em Família”, ambos fracassos do horário norte. Goes também tem suas sugestões para tentar alavancar o horário, sendo a principal encurtar os folhetins para até quatro meses. A técnica foi utilizada pela Globo durante a última Copa do Mundo e pareceu agradar. Ele também sugere menos tramas paralelas e muitas caras novas no elenco. “Não necessariamente jovens, mas atores com que o público não está acostumado, como a grande Selma Egrei”, cita Goes.

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"Beto Rockfeller", exibida pela TV Tupi em 1968, mudou a maneira de se fazer novela no país

As novelas das 9 estão estagnadas. O sucesso de outra hora não voltará, portanto é preciso olhar para o futuro. Mudanças são inevitáveis, resta saber, o quanto os autores, diretores e a própria emissora estão dispostos a mudar.

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