Sertanejo x Forró: maior cachê do São João do Nordeste é Gusttavo Lima

Embora não esteja entre os gêneros preferidos da região, são cantores sertanejos que recebem maiores cachês e ocupam lugar de destaque; entenda a discussão

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Maior cachê de São João nordestino é de Gusttavo Lima

A época de São João de 2023 está sendo marcada pelo questionamento das atrações escolhidas pelos organizadores de eventos. Maceió, Campina Grande, Caruaru, Santa Rita, Maracanaú, Aracati e Santo Antônio de Jesus são alguns dos municípios que promoveram eventos públicos gratuitos para celebrar a festividade. 

Nomes como Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Ivete Sangalo, Luan Santana, Nattan, Mari Fernandez, Bell Marques, João Gomes, Claudia Leitte, Xand Avião, Leo Santana, Ana Castela, Zezé Di Camargo e Luciano, Alexandre Pires e Seu Jorge, Leonardo e Daniel foram contratados como destaque dos festivais.

As prefeituras de Caruaru, Santa Rita, Maracanaú, Aracati e Santo Antonio de Jesus disponibilizaram mais de R$ 20 milhões para garantir shows artísticos. Somente a prefeitura de Maceió, em Alagoas, desembolsou mais de R$ 8,8 milhões para contratar os artistas renomados. Ao todo, elas somaram aproximadamente R$ 30 milhões para pagar os cantores.

Mas nem tudo é festa! Moradores da região Nordeste apontaram críticas para a escolha dos artistas principais. A discussão passou a questionar a manutenção da tradição nordestina, que tem como raiz a cultura do forró. 

No último fim de semana, as apresentadoras do GNT Gabriela Prioli e Astrid Fontenelle ilustraram como está sendo formada a discussão sobre o São João nordestino. A jornalista criticou fortemente a presença de artistas que não cantam forró em uma festa de tradição forrozeira. Do outro lado, Gabriela Prioli apontou que a tradição é mutável, e que gostos individuais não se sobrepõem ao do coletivo. A apresentadora também abordou a questão mercadológica do sertanejo, que detém mais recursos que a do Forró.


O sertanejo e o forró não andam juntos?

Forró é herdeiro do forrobodó, termo usado para indicar bailes que aconteciam no final do seculo XIX. Inspirado na festança, o gênero musical nasceu por volta de 1930, no Nordeste. Foi a dupla Manuel Queirós e Xerém que registrou, em 1937, pela primeira vez, o termo na música “Forró na roça”.

A cultura do Forró é essencialmente nordestina e engloba influências de Holanda e Portugal, países que estiveram presentes na região durante o período colonial. Na dança, o forró remete ao famoso ‘arrasta pé’. O gênero também utiliza ritmos típicos como o xaxado, o baião e o xote. 

Foi perto da década de 1950 que o Forró ganhou destaque com Luiz Gonzaga, declarado o rei do baião. “Asa Branca”, “Vem Morena”, “Xote das Meninas” e “Pagode Russo” estão entre as músicas mais famosas do artista.

Luiz Gonzaga foi percursor do movimento que traria, anos depois, a geração de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Alceu Valença e Elba Ramalho. Em 1970, o gênero já possuía influências do pop e rock, gêneros que dominaram a época. 

Foi durante esse período, nas décadas de 60 e 70, que o forró ficou mais conhecido nacionalmente. O gênero acompanhou a onda migratória dos cidadãos nordestinos. Os principais representantes do ritmo, que marcaram época na década de 90, são os grupos Calcinha Preta, Limão com Mel, Magníficos e Mastruz com Leite, que seguem arrastando grandes públicos no período junino.

E o sertanejo?

Enquanto o Forró é essencialmente nordestino, o sertanejo tem as raízes nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, sendo o interior paulista um dos precursores do gênero. De sertão, a palavra sertanejo foi utilizada para indicar aquelas pessoas que viviam no ambiente rural.

O gênero cresceu com o costume das modas de viola, quando cidadãos rurais se reuniam para contar as histórias de vida. Um dos principais instrumentos, a viola, veio com a colonização dos portugueses. A viola era usada por jesuítas e estava presente em festividades religiosas populares, como procissões, Folia de Rei, festas do padroeiro, rezas do rosário.

A música caipira, vinda do interior paulista, que permitiu a expansão do sertanejo. Nas décadas de 1920 e 1930, o Brasil queria se distanciar dos costumes caipiras. Tanto que o termo era usado pejorativamente, assim como os representantes dessa cultura eram mal vistos. Um exemplo disso é o personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, apresentado como caipira preguiçoso e ignorante. 

Para se desvencilhar do preconceito, adotaram o termo sertanejo. Foi a partir disso que o gênero se expandiu para o Brasil e ganhou representantes em todas as regiões. 

Tal como o Forró, o sertanejo também sofreu adaptações ao longo dos anos. O gênero incorporou elementos do pop, do rock e até da rancheira mexicana. A década de 80 foi a virada do sertanejo, com Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, Roberta Miranda, João Paulo & Daniel. O gênero passou a ocupar cada vez mais espaço nas rádios, chegando ao horário nobre das novelas. 

Na geração seguinte, nasce o sertanejo universitário, categoria que dispensa a formação de duplas e engloba elementos urbanos. Ele também absorve características do country americano e permite que cantores virem astros tal como cantores pop.

Luan Santana, Wesley Safadão, Gusttavo Lima, Michel Teló, Jorge e Mateus, Henrique e Juliano, Maiara e Maraísa, Marília Mendonça e Simone e Simaria são representantes dessa vertente.


A face da valorização

A região Nordeste é a que mais valoriza a época de São João. É em Campina Grande, na Paraíba, que acontece o maior festival junino. Outros municípios também são referências nas festividades, como Caruaru, em Pernambuco; Aracaju, em Sergipe; São Luís, no Maranhão; Mossoró, Rio Grande do Norte; Santo Antônio de Jesus, na Bahia; Maracanaú, no Ceará; Maceió, em Alagoas.

Seguindo a lógica da tradição, deveria ser o Forró também o gênero mais valorizado. Entretanto, alguns detalhes chamam a atenção.

O maior cachê do São João de 2023 foi destinado para o cantor sertanejo Gusttavo Lima. O mineiro arrematou R$980 mil, quase um milhão de reais, da prefeitura de Maceió.

O segundo maior cachê foi para o também sertanejo Wesley Safadão, que recebeu R$ 700 mil da prefeitura de Maracanaú. 

Em Caruaru, Luan Santana recebeu R$ 490 mil; Zezé Di Camargo e Luciano R$ 380 mil; Matheus e Kauan R$ 360 mil; Eduardo Costa R$ 350 mil; Ana Castela R$ 350 mil; Simone Mendes, Israel & Rodolffo, Murilo Huff, Gustavo Mioto receberam R$ 300 mil cada. Os cachês de Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Daniel e o cantor Leonardo ainda não foram publicados pela prefeitura. 

A escalação de outros gêneros também chama a atenção, o piseiro, que vem do interior da Bahia, é um dos que contam com maior representação nos festivais de São João. Músicos como Nattan, Mari Fernandez, Tarcísio do Acordeon, Zé Vaqueiro e João Gomes estão entre os mais bem pagos. 

Ivete Sangalo, Leo Santana, Claudia Leitte e Bell Marques, representantes do axé, também entram na lista dos maiores cachês.  Confira todos os valores.

E o Forró?

O representante do gênero mais bem pago é Xand Avião, que integrou o grupo Aviões do Forró entre 2002 e 2018. O cachê do músico foi de R$ 400 mil, em Caruaru e Maracanaú. Outros representantes receberam menos por show, como Calcinha Preta (R$ 220); Flávio José (R$ 200 mil); Mano Walter (R$ 200 mil); Elba Ramalho (R$ 200 mil); Eric Land (R$ 150 mil); Targino Gondim (R$ 140 mi); Dorgival Dantas (R$ 130 mil); Forrozão Tropikalia (R$ 120); 

Segundo dados indicado pelo próprio Google, o sertanejo não é um dos principais gêneros preferidos na região Nordeste. O sertanejo tem base de adeptos no Centro-Oeste e Sudeste. 


Uma pesquisa da agência Hello Research, publicada em 2019, indica que os gêneros mais consumidos no Nordeste são, em 1º lugar MPB - onde incluí axé e forró -, em 2º lugar o pop, e em 3º a música eletrônica.

A forte presença de artistas sertanejos - com os maiores cachês - em festivais típicos nordestinos pode indicar um processo de transformação cultural. Nos estudos sociais, pesquisadores denominam aculturação o processo de imposição cultural, quando duas culturas se unem e uma se sobrepõe a outra. Essa sobreposição pode ser direta ou indireta. 

A direta ocorre em situações de guerra, dominância de território, por exemplo. A indireta é quando a cultura de fora vai se infiltrando aos poucos, como, por exemplo, na televisão, rádio e itens de consumo, alterando indiretamente o modo de viver daquela população. E tudo isso pode potencializar a perda da identidade cultural e da tradição daquele lugar.