Em março, quando a maioria das restrições de mobilidade começaram a ser decretadas no Brasil, todos os cinemas fecharam as portas, as produtoras paralisaram as gravações e, por fim, o setor do audiovisual inteiro se viu ao alento devido à pandemia da Covid-19  

Presidente Jair Bolsonaro
Isac Nóbrega/PR
Presidente Jair Bolsonaro

Após três meses sob o efeito da quarentena , a indústria cinematográfica amarga caixas vazios, o adiamento de seus lançamentos e a incerteza de quando retomará suas atividades. Em meio a tudo isso, o mercado tem buscado alternativas para sobreviver, revivendo o cine drive-in, por exemplo, e estreando conteúdo em streaming.  

Mesmo assim, o setor já prevê um prejuízo de R$ 1,2 bilhão no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex).

Para Paulo Morelli, diretor e fundador da O2 filmes, o momento é grave, mas passageiro. “É uma situação muito séria para indústria, algumas empresas podem até não sobreviver. Mas no geral, para as que não forem à falência, estamos falando de um grande adiamento das produções. Agora, se houver uma segunda ou uma terceira onda [de Covid-19 ], a coisa pode ficar mais séria e muitas empresas irão quebrar. Aí a coisa ficará bem mais grave.”

A previsão é que, com o movimento de adiamento, aconteça uma "overdose" de lançamentos de filmes e uma acirrada guerra por salas de cinema em 2021. 

“O que vamos ter aí é um acúmulo de filmes esperando lançamento, o que significa que o próximo ano será concorrido. Tivemos aí três meses sem lançamento, isso pode afetar a quantidade de tempo que os filmes ficarão em exibição. Vai ser uma ‘overdose’ de [filmes]”, afirma Elisa Tolomelli, produtora e fundadora da EH!, que é seguida por Paulo. “Atualmente, já é uma briga de foice. Sentimos isso quando colocamos um filme para estrear e nunca encontramos uma semana livre que não tenha algum blockbuster estreando junto. É muito competitivo e vai ficar mais. As perspectivas são muito dramáticas para quem está no ramo cinematográfico.”

Circuito de festivais

Além dos eventos, grande parte dos festivais foram cancelados devido ao novo coronavírus. Cannes , por exemplo, que sua história só foi derrubado perante uma revolução (1968) e a Primeira Guerra Mundial, teve sua edição suspensa em 2020. 

O Brasil, na contramão de outros países, tem um cenário diferente. Uma das principais paradas do circuito cinematográfico, o Festival de Gramado confirmou à reportagem do Portal iG que o evento será realizado: “Formato e adaptações (se necessárias) ainda [estão] em definição, mas a realização está confirmada”, comunicou a assessoria do evento. 

Ao refletirem sobre o momento de incerteza do mercado, Elisa e Paulo mantêm as declarações em sintonia. “Quando eu vou lançar um filme, eu faço uma estratégia de festivais. Hoje, a gente não tem os festivais, nem o lançamento. Se eu tivesse um filme para lançar, eu estaria perdida. Sem sabe o que fazer”, declara Elisa. 

“Festival é um momento muito prazeroso. É quando percebe-se que fazendo filme você está falando uma linguagem universal. É um sentimento de perda, mas é importante lembrar que o cinema está tendo sua estrutura abalada e não desmontada”, completa. 

A retomada

Mesmo com a retomada prevista para a primeira quinzena de julho, a indústria cinematográfica não irá se reerguer de imediato, nessa jornada, os protocolos sanitários prometem ser grandes obstáculos - mesmo com o acúmulo de lançamentos citados. 

“Como vamos fazer uma cena de sexo ou de beijo sem os atores se tocarem? Vamos testar a equipe? Vamos testar os atores? Todo mundo com máscara e luva? Essa questão a gente não sabe como vai ser, esse é o grande desafio. E a figuração? É uma questão difícil”, questiona Elisa.

“A parte da exibição, por exemplo, acho mais fácil de resolver. Você decreta que todos os espectadores têm que usar máscara, todo funcionário tem que ter máscara, que tem que ter álcool em gel nos cinemas e que têm que ter cadeiras intercaladas, isso resolve bastante”, completa ela. 

Apesar do otimismo, Elisa reconhece que com o grande número de produções em estoque, a rotatividade das obras pode acabar se tornando um empecilho para a bilheteria. Além disso, a lotação reduzida fará com que os cinemas, incluindo os de rua, tenham uma renda bem menor do que estão acostumados. 

“Os filmes automaticamente terão uma renda inferior. E os cinemas também terão uma renda aquém do que eles estão acostumados, porém, é melhor do que nenhuma renda”, analisa. 

O fator streaming

Com a quarentena mais rígida e os cinemas fechados, o streaming registrou um crescimento exponencial, ganhando musculatura nos últimos meses. De acordo com uma pesquisa do Instituto de Pesquisa & Data Analytics Croma Insights, a Netflix chegou à marca de 16 milhões de assinantes no Brasil. Somando aos concorrentes (Amazon, HBO, Globoplay, Fox) o aumento atinge 76%.

Indagado sobre a possibilidade de o streaming assumir as estreias acumuladas, levando em consideração a hipótese de que as pessoas não estarão confiantes o suficiente para frequentar cinemas quando as salas reabrirem, Paulo reflete. 

“As pessoas estão gostando de ver cinema e série em casa, a experiência é muito boa, mas elas também querem sair quando puderem. É muito gostoso ir ao cinema, tanto que estão trazendo de volta o cinema drive-in ”, discursa Morelli.

Governo VS futuro do cinema

Antes mesmo de ser eleito, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já prometia cortes no setor cultural. Após 100 dias no cargo, a pasta perdeu o posto de Ministério e tornou-se Secretaria Especial . Entre altos e baixos, o mercado foi atingido pelo esgotamento de verbas. 

Sobre o cinema após pandemia , levando em relação o atual governo, Paulo Morelli não pestaneja. “Eu acho que o governo brasileiro é muito mais nocivo que pandemia. A pandemia aconteceu, pegou o mundo inteiro e agora estamos sobre este impacto. O governo brasileiro não tem medido ataques à Cultura. O presidente desse país não gosta de cultura, ele combate a cultura. Ele obscurantista contra a ciência, contra o meio ambiente. Esse cara é um insano. Somos governados por uma pessoa desequilibrada. Ele vê a cultura como inimiga. Ele não aceita a liberdade de expressão e a cultura precisa de liberdade de expressão. Ele está estrangulando [o mercado] secando as verbas que faziam o cinema existir”, deliberou. 

Por fim, questionados se a crise sanitária mudou o cinema que conhecemos, ambos negam, mas Morelli se aprofunda. “Não sei se mudou. Pode mudar os meios de produção, mas essencialmente a maneira de se contar histórias não mudou.”  

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