Disseram que eles não fossem às escolas e aos escritórios. Preocupações com longas filas e desabastecimento os desencorajaram a ir fazer compras. Ele não poderiam visitar bibliotecas nem museus, e nada de concertos ou shows estavam sendo realizados. Não há eventos esportivos passando na TV, e assistir “Casamento às cegas” (reality de namoro da Netflix que se tornou febre nas últimas semanas) poderia ficar para depois.

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Então, durante um fim de semana de ansiedade no qual o surto de coronavírus levou ao fechamento de diversas instituições culturais e ao cancelamento de incontáveis eventos, alguns americanos fizeram o que ainda dava para tirar suas mentes do clima de incerteza generalizada: eles foram ao cinema.

Embora os espectadores não tenham comparecido em números impressionantes — uma sessão na tarde de sexta-feira do drama sobre a recuperação do alcoolismo de Ben Affleck, “O caminho de volta”, no cinema AMC Magic Johnson Harlem, em Manhattan, teve apenas um cliente", eles vieram sentar-se em salas escuras e fugir para as histórias de outras pessoas porque era tudo o que podiam pensar em fazer.

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Sentado sozinho e bem no canto de uma sala no Landmark’s Century Center Cinema, em Chicago, Mike Donovan, 66, aposentado e capelão voluntário em prisões, explicou que ele foi a uma matinê na sexta ver o drama de época “First Cow” por força do hábito.

"Imaginei que não haveria muita gente aqui", disse Donovan.  "Fico feliz que esteja aberto porque não tenho mais nada a fazer. Sou um grande fã de cinema", acrescentou. "É o que eu gosto de fazer."

Funcionários de luvas

Em todo o país, os fãs de cinema procuravam um senso de normalidade e continuidade, e os locais faziam o possível para proporcionar isso.

No AMC Magic Johnson Harlem, os funcionários usavam luvas de plástico para vender doces nas barracas e limpavam minuciosamente as telas das máquinas de servir refrigerante. "Into the Unknown", uma poderosa canção de "Frozen 2", tocava nas alturas nos alto-falantes de um saguão praticamente vazio.

Marion Johnson, acompanhada por sua filha de 5 anos, Karie, disse que elas vieram do bairro de West Farms, no Bronx, para assistir ao filme da Pixar “Dois irmãos: uma jornada fantástica”. As aulas e as atividades extracurriculares da filha haviam sido canceladas.

"Geralmente às sextas, a escola dela faz o “dia da diversão”. Pensei que tínhamos que dar um jeito de fazer isso também, criar nosso próprio “dia da diversão”."

Marion afirma que, apesar das recomendações públicas para evitar multidões e praticar o distanciamento social, não acredita que sair para ver o filme seja algo arriscado.

"Fiquei desconfiada de ir mais longe, até o centro, para ser sincera", disse. "Mas não vejo nada de errado nisso."

Gwen Calderon, que na tarde de sábado viu “First Cow” com sua irmã, Elizabeth Hurz, no AMC Lincoln Square, em Manhattan, contou que a expectativa de encontrar um público reduzido foi um fator para atraí-las.

"Nós compreendemos toda a gravidade da situação", disse Calderon. "Mas imaginamos que, se fôssemos ao primeiro horário do dia, não estaria tão cheio. E queríamos mudar um pouco de assunto."

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Mesmo assim, elas se depararam com alguns momentos de tensão, nem todos graças à história do filme…

"Alguém estava tossindo", gargalha Hurz. "Eu disse: “Meu Deus, não sei como vocês têm coragem de vir ao cinema com essa tosse”.

Em um cinema de Inver Grove Heights, no Minnesota, Denny e Peg Tetu disseram que planejavam sentar na última fileira e limpar os assentos com desinfetante em uma sessão à tarde do drama romântico “Enquanto estivermos juntos”.

Embora o casal de aposentados, ambos de 84 anos, tenha dito que cancelou um cruzeiro que planejava realizar no próximo mês, eles não pensaram duas vezes antes de fazer esse passeio ao cinema local.

"Nós só observamos as pessoas entrarem e esperamos que ninguém sentasse perto de nós", disse Denny Tetu, ex-professor de história. Cerca de dez outras pessoas estavam na plateia, sentadas bem afastadas umas das outras.

"Não estávamos nem a 30 metros de ninguém", disse Peg Tetu, ex-técnico em medicina.

Bilheterias em queda livre

O total em bilheterias no final de semana foi de US$ 55,3 milhões, de acordo com a Comscore, atingindo o menor nível em duas décadas. Mas, mesmo antes da pandemia de coronavírus atrapalhar a vida cotidiana, a indústria cinematográfica já estava passando por crises neste ano. Nos primeiros 71 dias de 2020, a venda de ingressos nas bilheterias norte-americanas ficou em US$ 1,74 bilhão, segundo Paul Dergarabedian, analista de mídia da Comscore. Esse número, segundo ele, representa um declínio de 5,6% em relação ao mesmo período de 2019, quando foram vendidos US$ 1,85 bilhão em ingressos, e uma queda acentuada de 25% em relação a essa época em 2018, quando foram vendidos US$ 2,32 bilhões.

Embora alguns lugares tenham permanecido abertos, como o Angelika Film Center, em Manhattan, ao longo do fim de semana vários cinemas anunciaram o fechamento como medidas de precaução, incluindo o Alamo Drafthouse, no Brooklyn e Yonkers (Nova York); o Film at Lincoln Center, o Metrograph, o Film Forum e o IFC Center, em Manhattan; e o Nitehawk Cinema, que tem dois endereços no Brooklyn. O portal “Hollywood Reporter” disse que redes de teatro como AMC e Regal começaram a fechar seus complexos em partes da Pensilvânia e de Nova Jersey.

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Mesmo que os cinemas continuem com as portas abertas, as perspectivas para as próximas semanas não são promissoras. Os estúdios de Hollywood começaram a adiar a estreia de seus lançamentos mais importantes. Isso inclui potenciais sucessos de bilheteria como “Um lugar silencioso - parte 2”, continuação do filme de terror de 2018; o remake live-action do filme de animação da Disney "Mulan"; e "007: sem tempo para morrer", a mais recente aposta da franquia de James Bond. A produção de vários outros projetos foi suspensa.

Por enquanto, os trailers de filmes que ainda devem ser lançados na primavera e no verão do Hemisfério Norte parecem janelas tentadoras abertas para uma era mais simples e organizada. Eles guardam também outras ressonâncias inesperadas: antes de uma exibição do filme de ação de Vin Diesel "Bloodshot" na sexta-feira à noite em South Orange, Nova Jersey, duas adolescentes riram durante o trailer do drama que se passa na Segunda Guerra Mundial "Greyhound”, com Tom Hanks, que divulgou na quarta-feira estar com o coronavírus. (Hanks recebeu o diagnóstico na Austrália, onde estava rodando uma biografia de Elvis Presley.)

Mas, quando o trailer de "Irresistible", uma sátira política escrita e dirigida por Jon Stewart, mostrou um agente de campanha republicano lambendo o rosto de um rival democrata, a cena cômica foi recebida com silêncio retumbante.

Regras de distanciamento

Os cinemas implementaram suas próprias regras para o distanciamento social. As bilheterias do Film Forum exibiam uma placa listando as precauções relacionadas ao coronavírus no cinema, que restringiram sua capacidade de assentos a 50%, de acordo com as recomendações do governo. Um aviso no banheiro masculino aconselhava os clientes a não usar a pia do meio, em uma fileira de três pias, se possível. (Na noite de sábado, o cinema anunciou que seria fechado no dia seguinte.)

Mas uma exibição, na sexta-feira à tarde, de “O Desconhecido”, filme de 1935 coescrito por Alma Reville, esposa e colaboradora frequente de Alfred Hitchcock, contou com a participação de 23 espectadores, que na maioria se aglomeraram na metade da frente do auditório em formato semelhante a um túnel, ainda que estivessem razoavelmente espalhados.

Lynne Sherman, 71, uma costureira semi-aposentada, disse que foi ao cinema porque gosta de “filmes antigos e esquisitões em preto e branco". Ela acrescentou:

"Não posso ficar em casa o dia todo."

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