Conceição Evaristo recorda que sua primeira vez na Flip foi quando o escritor Toni Morrison esteve no Brasil, em 2006. Desde então, a escritora sempre tentou marcar presença no evento e, na maioria das vezes, esteve em Paraty como convidada.
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“Em 2016 eu estava na Flip como convidada do Itaú Cultural e no mesmo momento tinha um grupo dos pessoais negros do Rio de Janeiro que construiu um manifesto criticando a ausência de escritores negros na Festa Literária Internacional de Paraty”, relembra Conceição Evaristo .
Conceição considera a Flip de 2017 como o melhor momento e recorda ter sido “uma das convidadas especiais do evento, que tinha curadoria da Joselia”, referindo-se a escritora Joselia Aguiar. Nesta quinta-feira (11) ela retorna a Flip em um painel promovido pelo Itaú Social, sobre "Escrevivências e andanças: prazer em ler, direito a escrever" ao lado de Jessé Andarilho e Claudileude Silva para falar sobre a escrita como um ato político.
Quando questionada sobre sua expectativa para este painel, ela não escondeu o entusiasmo: “Acho que vai ser um debate bastante interessante, cada um partindo da sua realidade de trabalho e suas experiências. Fazer esse cruzamento numa única mesa”.
Sobre seus colegas de mesa na Flip, a escritora revela que só encontrou com Jessé algumas vezes e que ainda não conhece Claudileude: “Eu acredito que vai ser um bom encontro, porque o Jessé tem uma experiência de criação literária e do texto literário de encontro com o público, de uma maneira bem calorosa, e Claudileude também pelo trabalho dela com as bibliotecas populares e comunitárias”.
Um dos desejos de Conceição é que o livro seja de todos e que isso se torne possível de uma forma democrática para toda sociedade: “Procuro pensar dessa forma para este veículo da literatura e eu acho que o Jessé e a Claudileude devem pensar por aí também”.
Carreira de Conceição Evaristo
Conceição escreve desde os anos 90 e é considerada uma das principais escritoras negras do País. “Esse espaço [de fala] não foi construído hoje, é um espaço que eu venho construindo desde os anos 90 com a intervenção do movimento social negro”, explica.
“Esse foi o primeiro lugar de recepção do meu texto, com mulheres e homens levando meus textos para trabalhar em salas de aulas. Esses textos vão ganhando mais espaços e extrapolam o espaço da leitura brasileira, ganham até o público estrangeiro”, conta com orgulho de seu trabalho.
Ainda sobre ter o lugar de fala, a poetisa acredita que a mídia tem ajudado bastante nesse assunto e o que a deixa mais forte nesse meio é a coletividade: “O que me sustenta é saber que eu tenho uma coletividade, que eu represento e isso é uma responsabilidade que eu levo para o meu texto. Não estou falando apenas de uma experiência pessoal”.
Coletividade talvez seja a palavra que representa o trabalho de Conceição Evaristo, pois durante toda a conversa ela deixa isso explícito, sendo possível notar o orgulho em produzir algo que vai além do seu sucesso individual: “Talvez eu fale muito mais de uma experiência coletiva, porque as personagens negras que eu crio, a ficção que eu crio, não é necessariamente minha experiência pessoal como sujeito”.
“A minha experiência é essa coletividade de origem que eu pertenço e ao mesmo tempo tem uma recepção muito boa com meu trabalho”, fala com certo carinho. Suas obras também tem alcance cada vez maior e ela conta que tem vivido momentos muito importantes: “Brancos, homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, recepcionam minha obra e fazem uma leitura muito sensível”.
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A autora também é sempre homenageada em eventos, prêmios e esse ano será homenageada na Olímpiada da Língua Portuguesa de 2019. “É muito bom e eu acho que é isso que todo escritor quer”, revela.
“Se um escritor fala que não se incomoda com o público, ele está fazendo charminho. Porque quem não quer ser lido, não publica. A partir do momento que você publica, tem a expectativa de ser lido”, fala em meio a risadas. “Então essa recepção me deixa muito feliz, no sentido de discutir sobre a literatura ‘ser universal’”, conclui.
Tratar a literatura como algo universal é uma das “causas” que Conceição apoia, pois está sempre questionando este meio: “Uma das coisas que a gente discute muito é que se é uma literatura universal, porque certas experiências não são retratadas nessa literatura? Porque certos modos de vida não são retratados nessa literatura?”.
Suas obras
Uma das características dos textos de Conceição Evaristo é a forma como ela trata a população negra, sempre trazendo elementos que remetam as origens: “O texto que eu produzo traz a experiência de uma coletividade negra. Ele traz elementos das culturas africanas, uma maneira dos povos descendentes e uma experiência muito especifica que contamina quem não tem nada a ver com essa realidade”.
Ela também reconhece que sua escrita tem valor universal: “Até com certa vaidade, meu texto tem um valor universal e isso dá sentido a leitura, na medida em que seu texto convoca as pessoas. Isso é muito bom e todo escritor quer”, confessa.
Conceição observa que nos últimos tempos, suas obras têm cada vez mais atingido o público jovem: “Esse público, inclusive, tem idade para ser meu neto e meus textos mostram pra eles a minha experiência”.
A autora também cita um exemplo da própria Festa Literária de Paraty, onde um grupo de meninas que vão lançar um livro pediram que ela fizesse o prefácio da obra: “Lá na Flip vai ser lançado o livro de meninas que produzem Slam e elas são bem jovens, tem idade para serem minhas netas, e me pediram para prefaciar esse livro”.
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Inspiração para os jovens
“Acho que os jovens estão a procura de certa coerência na vida e acho que quem acompanha minha trajetória, sabe que eu tenho uma postura de diante de diversas situações”, conta.
Conceição acredita que é dessa inspiração que os jovens estão precisando e que nela conseguem encontrar uma confiança. “Eles precisam ter certa diretriz e acho que eles confiam e sabem do meu esforço, além da valorização na luta coletiva”, explica.
Conceição Evaristo , nos seus 72 anos, já é uma escritora consolidada, mas confessa que o mais importante para ela é a luta coletiva: “Hoje, mais do que nunca, precisamos pensar na luta coletiva. O sucesso individual é bom, mas esse sucesso tem que repercutir de certa forma e acho que no meu caso, ele repercute como forma de exemplo de caminhada”.