Abordar a melancolia com humor não é uma equação fácil, mas que Phoebe Waller-Bridge mostrou ser possível na primeira temporada de “Fleabag”, hit cult da BBC America lançado em 2016 e distribuído globalmente pelo Amazon Prime Video . O segundo e último ano da série, lançado em maio, redimensiona essa boa e singular qualidade elevando ainda mais o status da série.
Bridge vive Fleabag , essa mulher consumida pela culpa que tem uma relação totalmente ensimesmada com a irmã Claire (a ótima Sian Clifford), fraturada com o pai e passivo-agressiva com a madrasta (Olivia Colman). Além do mais, ela costuma usar o sexo como válvula de escape para quase tudo em sua vida e não consegue se libertar de um predatório egocentrismo.
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É interessante observar que Flea não é uma personagem fácil e, ainda que seja inteligente e sagaz, é melindrosa e pouco empática. A maneira como Bridge a aborda, no entanto, desarma não só expectativas como as defesas da audiência. O que se vê na tela é uma investigação profunda e reverberante do que nos faz humanos, de nossos medos, angústias e frustrações, mas tudo inserido em um microuniverso muitíssimo bem delineado.
É interessante observar que tanto Bridge, criadora, diretora, roteirista e protagonista da série, como Olivia Colman, já eram grandes atrizes quando do lançamento da primeira temporada, mas que a segunda chega quando o patamar delas em Hollywood já é outro. Colman ganhou o Oscar por sua atuação em “A Favorita” (2018) e Bridge criou e produziu o hit “Killing Eve” e está à frente do roteiro do próximo Bond.
Santo padre
A segunda temporada começa com a família reunida para o jantar de noivado do pai de Flea e Claire. A situação toda desanda. Um aborto natural e o interesse da protagonista pelo padre que irá realizar o casamento de seu pai são dois dos principais elementos de um dos episódios mais fantásticos de uma série toda ela de altíssimo nível.
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Andrew Scott faz o padre em questão e a dinâmica dele com a protagonista é tranquilamente uma das melhores coisas da temporada final do programa, que brinca com a noção de esquizofrenia de Flea e convida o padre, um personagem tão complexo e apaixonante, ainda que ligeiramente mais bem resolvido consigo mesmo do que a protagonista, para participar dessa sugestão.
Uma ode a Kristin Scott Thomas
É difícil acreditar que algo tão profundo, inteligente e reflexivo tenha apenas seis episódios de 27 minutos cada; e para tornar isso ainda mais acachapante um deles conta com a participação da britânica Kristin Scott Thomas, que ganha da Bridge roteirista um presente: o melhor monólogo de um programa de TV em 2019. Sua personagem, uma mulher que cruza acidentalmente o caminho da protagonista, discursa em um dado momento sobre como as mulheres nascem em dor e do potencial exaustivo inerente. É de tirar o fôlego!
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“Fleabag” é uma série que convida o espectador a reagir. Especialmente nesta segunda temporada, em que a protagonista tenta um tanto desastradamente sair de sua zona de conforto. O fim melancólico corrobora a essência do programa e da mulher que dá nome a ele, mas também vislumbra algum otimismo, ainda que espremido por corações partidos.