Conceitualmente “Vidro” é um filme diferente de “Corpo Fechado” (2000) e “Fragmentado” (2017). No primeiro filme, que durante sua turnê promocional o cineasta fez saber que se tratava do primeiro capítulo de uma trilogia, não sabíamos que se tratava de um questionamento: e se super-humanos existissem de verdade?
Leia também: Com cisão de fórmulas, “Vidro” faz memorando dos filmes de super-heróis
Em “Fragmentado” sequer sabíamos, até a última cena, que se tratava de uma continuação daquele filme. Em “Vidro” já sabemos antecipadamente não só que este é um filme de super-heróis, ainda que dentro deste universo realista, e que é a conclusão (será?) daquela história iniciada há 20 anos.
São elementos que naturalmente alteram percepção e expectativas sobre o filme e o legado que ele e a trilogia deixarão para M. Night Shyamalan e sua filmografia. É incontestável que este é seu projeto mais pessoal. A despeito de ter sido aclamado pela crítica, “Corpo Fechado” não performou o esperado nas bilheterias. O filme arrecadou pouco mais de US$ 240 milhões enquanto que o filme anterior do cineasta, “O Sexto Sentido”, havia amealhado US$ 677 milhões.
A baixa bilheteria minou as expectativas do cineasta de dar sequência à história. Quando esteve em São Paulo em 2017 para promover “Fragmentado”, ele revelou à imprensa que as tramas desses dois primeiros filmes foram desenvolvidas juntas e que, originalmente, a horda (movimentado de algumas personalidades de Kevin em apoio à Fera) aparecia em “Corpo Fechado”.
A recepção calorosa a “Fragmentado”, que rendeu US$ 270 milhões globalmente, mas mais da metade desse valor vindo do mercado americano, possibilitou que o capítulo final da trilogia fosse o filme seguinte do diretor. Agora, além da Blumhouse, com quem havia trabalhado em “A Visita” (2014), seu primeiro sucesso de crítica e público desde o descarrilamento da carreira após “A Vila” (2004), Universal e Buena Vista estavam a bordo de uma joint venture tão acidental quanto providencial, já que a divisão dos lucros e custos amenizaria um eventual fracasso nas bilheterias. O que, tratando-se de Shyamalan, é sempre uma possibilidade alta.
Leia também: Shyamalan mostra para fãs da Marvel outro tipo de herói com "Vidro" na CCXP 2018
Você viu?
Carreira de altos e baixos
“O Sexto Sentido” (1999), terceiro filme e maior sucesso de sua carreira pode ser considerado um espécie de maldição. Não só porque Shyamalan desenvolveu um ego imenso, mas porque as expectativas de indústria e público para com ele romperam a estratosfera.
Se “Corpo Fechado” é um grande filme que foi incompreendido à época – “eu pus os anti-heróis em destaque antes deles virarem moda no cinema”, gosta de frisar o indiano – o mesmo não se pode dizer dos risíveis “A Dama na Água” (2006) e “O Fim dos Tempos” (2008), seus últimos filmes originais antes do retorno à forma em “A Visita” .
Shyamalan passou por todos os estúdios e virou chacota em Hollywood antes de retornar ao indie e se reencontrar. “Vidro”, nesse contexto, é um filme independente dentro da mecânica hollywoodiana. Da maneira como é filmado às soluções finais, o longa em nada lembra uma produção de estúdio e constantemente o cineasta fala por meio de seus personagens a respeito.
Ele disse à Volture recentemente que “não há possibilidade de retomar essa história de onde o filme acaba” mesmo que o longa se prove um sucesso de bilheteria.
Encontrando os pontos de equilíbrio
Na CCXP 2018, Shyamalan disse que “adorou a química entre Sam e Bruce em ‘Pulp Fiction’” e que por isso os chamou para “Corpo Fechado”. Ele disse, ainda, que Jackson estava ansioso para fazer o filme depois de ser “excluído” da segunda parte. O indiano radicado na Filadélfia, onde, assim como “Vidro”, a grande maioria de seus filmes são ambientados, se diz feliz por encerrar a trilogia neste momento específico do cinema.
Leia também: “Fragmentado” atende demanda por “filmes sombrios”, diz M. Night Shyamalan
Apesar de McAvoy ser o primeiro nome nos créditos, são mesmo os personagens de Jackson e Willis que tangenciam os melhores dramas e expectativas no novo filme. Talvez pelo longo hiato entre este e o primeiro, talvez por serem personagens trágicos, mas com alcance filosófico que não há em Kevin. Se Elijah (Jackson) age para convencer David Dunn (Willis) e o mundo de que heróis existem, Dunn, que passou a vida tentando se convencer de que não é especial, porque não se sente especial, parece apenas cansado desse esforço.
“Vidro” se pretende revisionista de um gênero, mas também propõe resolução para esses personagens que, de certa forma, emolduram a carreira de seu criador. É hora de seguir adiante!