A poesia é um gênero literário brasileiro que transcende décadas e modula-se às novas tecnologias - sem perder a sua essência. Com a consolidação de diversas plataformas digitais, surgiram os novos poetas da internet, mais conhecidos como 'instapoetas', que usam o Instagram
para propagar os seus versos de forma instantânea, mas com sentimento.
Leia também: "Em tempos tão duros, a poesia pode recuperar essa humanidade que corre riscos"
Os novos poetas projetam seus poemas para milhões de seguidores, com versos curtos - e textos ou crônicas complementares - apresentando uma nova forma de consumir literatura. Um dos novos representantes dessa classe artística é João Doederlein (@akapoeta), que possui mais de um milhão de seguidores no Instagram e enxerga a plataforma como uma das pontes para apresentar os seus textos, mas nunca um limitador do conteúdo, que pode ser adaptado aonde o artista achar mais poético ou contundente.
"Não existe diferenciação da poesia que está em um muro, livros ou na internet. Pra mim, existem palavras que são escritas em algum lugar e alguém está lendo e se identificando. Entretanto, a internet está fazendo um papel diferente, levando o poesia para o dia a dia de diversas pessoas", observa ao relembrar que antes, no passado, a poesia era elitizada, ficando disponível apenas para poucas pessoas, mas que atualmente, também pelos novos formatos, ela pode ser consumida por um público de idade e gêneros diferentes.
"A poesia pílula (formato grandemente usado e apresentado nas plataformas) se sobressai dependendo do meio, com a ajuda de poucas imagens e consumo de forma rápida, elas também causam sensações", completa o estudante de publicidade que já publicou as obras "O Livro dos Ressignificados" e "Coração - Granada".
Matheus Jacob (@homemquesente), com mais de 434 mil seguidores no Instagram, levanta outro questionamento de quem observa as 'instapoesias' como uma heresia, mas ressaltando a importância de explorar os recursos do seu tempo à favor do poeta.
"Há duas visões principais sobre este universo da escrita nos meios digitais: há quem veja como uma inclusão e há quem veja como uma heresia. Estes últimos, infelizmente, se esquecem que o verdadeiro artista é aquele que explora os recursos do seu tempo. O mundo virtual, em seu sentido cotidiano, é real. Nos afeta como algo existente", expõem o escritor e filósofo dono da obra "Homem Que Sente".
Leia também: Lista: os 10 maiores nomes da literatura que já foram adaptados para o cinema
Você viu?
Ser poeta não é profissão!
Para o ganhador do Prêmio Jabuti desse ano, Mailson Furtado, autor independende da obra "À Cidade", que quebrou a tradição na premiação, diferentemente de outras profissões artísticas como ator ou músico, ser um poeta ou escritor não é uma profissão, justificando seu pensamento na linha de raciocínio de um dos grandes poetas brasileiros, o Ferreira Gullar (1930 - 2016).
"Aqui na minha região (cidade de Varjota, no sertão do Ceará) é bem díficil de viver só de poesia. Eu sempre fui uma pessoa pé no chão, vislumbrei uma profissão que me desse uma qualidade de vida melhor por vir de uma família bem humilde, com a minha mãe dona de casa e meu pai agricultor. Eu tento me organizar da melhor forma possível. Queria ter mais tempo para produzir, mas a arte em si não me proporciona viver apenas disso", diz o autor cearense que trabalha como cirurgião-dentista e também com outros projetos artísticos.
Para Zack Magiezi (@zackmagiezi), autor dos livros "Estranherismo" e "Notas sobre ela", com mais de 965 mil seguidores no Instagram, e que atualmente trabalha como escritor em tempo integral, observa que presentemente é possível trabalhar e viver apenas como um poeta mais facilmente justamente também por conta da internet, onde é possível ter contato direto com o seu leitor, seja ele do mundo virtual ou impresso.
"Hoje você tem a possibilidade de estar em contato com as pessoas, é muito democrático, você consegue se tornar um pouco mais conhecido", conta ao dizer que hoje seu tempo é dedicado em torno da escrita e de ilustrações.
Para o escritor, ser um poeta não necessita de um curso específico, mas sim de um olhar sensível e atenção sobre o que está acontecendo ao seu redor. Os novos poetas João e Matheus também seguem essa linha de pensamento, ressaltando também a importância da leitura para criar um olhar mais poético e técnico também na escrita.
"A poesia está aberta a todos nós, por isso existem formas tão diversas de se escrever, cada autor com estilo tão seu e único. Um curso pode nos ajudar em termos de linguagem, estrutura, de encontrar o seu próprio caminho. Mas o olhar pelo qual um poeta vê o mundo sempre esteve dentro dele. A melhor escola para a escrita é a leitura. E, acima de tudo, a vida", expõe Matheus Jacob.
É possível viver de poesia?
Para João, as recentes crises do mercado literário brasileiro criaram barreiras para que muitos poetas pudessem lançar as suas obras, mas que as plataformas digitais permitem, sim, essa carreira sem a necessidade de depender das mídias tradicionais- mas de um formato diferente, sem deixar de lado a sua versatilidade como artista. "Hoje, eu faço poesia, mas não descarto escrever outras coisas que também tenho afinidade artística", conclui.
Leia também: Literatura performática: novo gênero ou característica da arte?
Matheus Jacob ressalta também que é preciso ter um lado empreendedor para fazer a poesia acontecer. "É possível - mas raro e restrito. O poeta atualmente precisa ser de certa forma um empreendedor do seu próprio ser, o que exige muito. Por isso diversos escritores e poetas escolhem ter outras fontes de sobrevivência, para manterem a escrita pura. Intocada. Trabalha-se com outra face, para manter a poesia livre".