Cantar para o ator Jarbas Homem de Mello sempre foi a mesma coisa que falar. Além desse dom, o gaúcho sempre demonstrou facilidade em interpretar e atuar. “Nunca fiz curso de teatro musical, sempre fiz tudo, mas separado”, conta ao iG . No Rio Grande do Sul, tinha uma banda de rock, fazia teatro e dançava no grupo da cidade. Migrando para São Paulo ele percebeu que podia fazer tudo isso junto nos palcos e, hoje, é consagrado com um dos grandes nomes do teatro musical brasileiro.
“Talvez, quando começou os musicais não havia muitos atores que tinham os requisitos necessários, que cantavam dançavam e tivessem uma expressão corporal, enfim, tudo o que o teatro musical exige”, afirma Jarbas Homem de Mello que acredita que a gama de atores do gênero surgiu com a primeira montagem do espetáculo da Broadway “Rent”, em 1999.
“A gente sempre teve teatro musical no Brasil. Tivemos as revistas brasileiras até os anos 40 e 50, considerado o teatro popular brasileiro. Depois tivemos Bibi Ferreira, Marília Pera, e nos anos 80, Cláudia Raia com todos os shows que ela fazia, misturando características da vedete brasileira com elementos dos musicais americanos. Ela foi uma das precursoras”, aponta o ator que é casado com a atriz global.
Depois de “Rent”, começou uma produção em massa de grandiosos espetáculos Broadway, quase exclusivamente em São Paulo, e a carreira de Jarbas não parou de se consolidar e, desde então, já participou de mais de 20 produções nacionais e internacionais que passaram pelos palcos brasileiros.
A aclamada volta de Chaplin
Dentre tantos musicais que atuou, os xodós do ator são “Cabaret”, “Crazy For You”, “ Cantando na Chuva ” e “Chaplin” – espetáculo que teve uma temporada de sucesso em 2015 e devido ao apelo do público ganhou nova montagem este ano. “Voltamos por vários motivos, primeiro porque fizemos uma temporada curta, de quatro meses e meio, bem quando deu aconteceu o impeachment da Dilma. Não conseguimos manter o espetáculo porque não tinha patrocínio, havia 68 pessoas diretamente envolvidas na produção, só a bilheteria não banca todos os custos”, revela.
O musical conta a história que poucas pessoas conhecem de um dos maiores ícones do cinema. “Como ator, Chaplin é um personagem riquíssimo.” A nova montagem, atualmente em cartaz no Theatro Net, em São Paulo, pode ser considera uma estreia mundial, mesmo sendo estrelada em Nova York anos atrás. Isso porque, o espetáculo, o autor original da peça reescreveu o musical para essa versão nacional. “Ele acrescentou cena, mudou cena, compôs cinco músicas novas. É um novo musical, inclusive, o nosso espetáculo foi vendido para a Europa.”
O sucesso de público está sendo tanto que Jarbas conta com exclusividade ao iG que a temporada será prorrogada por mais dois meses em São Paulo. Em julho, o musical deixa o Theatro Net e passa a ser apresentado, durante os meses de agosto e setembro, no Teatro Cetip, depois sai em turnê pelo país. Essa resposta positiva do público empolga o ator que mesmo já tendo estrelado o espetáculo em 2015 , enxergou como um desafio retornar para a personagem.
“Supreendentemente ele já estava no meu corpo, quando começou os ensaios eu lembrava de marca, entonação. Foi voltando”, fala o ator que tem consegue imprimir uma assustadora semelhança com o icônico Charles Chaplin. “Ele é um gênio, temos que abusar desse adjetivo com ele. Chaplin criou esse personagem, o Vagabundo, com moldes aristocráticos e com uma ingenuidade que talvez o tempo de hoje não permite. Na verdade, permite sim porque temos comediantes que ainda são assim”, acrescenta.
Mudanças no humor torna difícil a missão de arrancar risadas
Jarbas acredita que o humor é uma coisa que vai mudando com o tempo, pois os artistas vão trazendo novas coisas, “tem o humor besteirol, o mais escrachado, o humor mais rápido dos stand-up. Mas, o humor clássico é eterno”. Arrancar uma risada do público está cada vez mais difícil e o ator sente isso na pele. “Esse humor mais contemporâneo trabalha muito em cima de falar mal da outra pessoa, ou da fraqueza do outro ou de si mesmo.”
O humor atualmente está muito atrelado ao improviso, mas em um musical isso dificilmente é permitido, principalmente nos espetáculos que são uma versão réplica, ou seja, que é exatamente igual ao que é feito lá fora. “As réplicas que fiz foram poucas, ‘Les Miserábles’ e ‘Fantasma da Ópera’. No ‘franchising’, você vê o mesmo espetáculo da Broadway aqui. Para o ator é mais limitante, porque você não tem o mais gostoso que é criar, ainda mais se vem um diretor de fora, ele vai querer que você faça exatamente a mesma coisa que o ator de lá faz”, explica Jarbas.
Umas dessas produções réplicas que o ator participou volta do Teatro Renault em agosto deste ano. “O Fantasma da Ópera” foi um sucesso de público e chegou a ficar dois anos em cartaz por aqui. Quando soube que a produção voltaria não teve vontade nenhuma de fazer os testes. “Não é um espetáculo que me encanta, nem quando assisti lá fora me encantou, fui cheio de expectativa e sai com a sensação de que é um musical mais ou menos. Eu acho que é mais divertido de fazer do que de assistir, mas é um clássico e as pessoas amam”, expõe.
Você viu?
O multitalento acredita que o brasileiro sempre foi assistir musicais fora do país, mas sempre foi um povo muito musical, por isso, passou a ser explorado aqui. “Caiu no gosto do público, virou uma indústria mesmo. Um musical como o ‘Chaplin’, que é de médio porte, a gente emprega mensalmente e diretamente 68 pessoas, fora os empregos indiretos, ou seja, gera muita renda. É uma indústria grande e movimenta a economia, muitas pessoas vêm de fora para assistir.”
Falta de incentivo atrapalha o acesso à cultura
O grande problema é que em Nova York e Londres isso é visto como um cartão postal. “Você chega no aeroporto e tem vários cartazes de espetáculo, tem divulgação, mas o Governo brasileiro não percebeu isso ainda e o trabalho de divulgação fica em cima do produtor que corre atrás de patrocínio mendigando dinheiro.” Jarbas explica que os produtores mais conhecidos têm um pouco mais de facilidade para captar recursos, mas isso não quer dizer que é uma tarefa simples. Se o espetáculo não tem um apelo ou um grande nome da televisão fica complicada a missão que arrecadar fundos.
“O ‘Chaplin’, por exemplo, não tem uma Cláudia Raia em cena para as pessoas verem de perto, mas tem uma produtora de qualidade e, querendo ou não, eu que faço musical a ‘trocentos’ anos”, explica Jarbas. “Veio um grupo de Sorocaba assistir e disse que vieram porque sabiam que eu estaria no elenco. Isso para um ator que construiu sua carreira nos musicais é gratificante, é tudo de bom”, orgulha-se.
A falta de patrocínio influencia diretamente no valor do ingresso que, mesmo sendo considerado caro, ainda não banca os custos de uma produção grandiosa. O gaúcho exemplifica que o valor médio de um ingresso na Broadway é 200 dólares e aqui o mais caro é 150 reais, ou seja, é muito mais caro no exterior. “Além disso, posso dizer claramente que 90% das pessoas pagam meia entrada.”
Todo esse cenário reflete para Jarbas o quão desvalorizado é a cultura e a educação no Brasil. “Educação e cultura estão sempre no final da fila, mas é a identidade de um povo, um povo sem educação e cultura não é nada. Está na hora das pessoas acordarem para isso, se não a sociedade não vai mudar de nível, não vai evoluir. É o que eu penso”, afirma o ator.
Entretanto o artista classifica o atual ministro da cultura, Sérgio Sá Leitão, como um cara interessante, pois está ligado ao mainstream e também a projetos alternativos, como as manifestações culturais que estão acontecendo nos bairros periféricos. Também se coloca disponível para um diálogo com os produtores.
Outro ponto levantado é que, mesmo conseguindo apoio, a mídia é muito cara e chega a levar 40% do patrocínio que levantam para o espetáculo. “Tudo isso é só para as pessoas saberem quem você está em cartaz. Se você tem um ator ou diretor global no elenco você tem aquela chamadinha na Globo ‘teatro a gente se vê por aqui’, do contrário não. Mas é preciso fazer rádio, televisão no geral, ter divulgação em ponto de ônibus e assim por diante.”
Todo esse emprenho muitas vezes não é valorizado e Jarbas cita como exemplo a discussão acerca da não obrigatoriedade do DRT, o registro profissional do ator. “Ele é necessário ainda mais se você perceber que até os anos 50 ou 60 as atrizes tinham registro de prostitutas. Atuar não era uma profissão, então o registro profissional é uma conquista do artista. É nossa profissão, trabalhamos por isso”, enfatiza.
Críticos especializados em formação
Como a explosão do teatro musical é vista como recente por Jarbas, ele acredita que a crítica ainda está se especializando. “É diferente de criticar um teatro de proza, que é falado, o musical é cantado. O crítico tem que saber do que ele está falando, tem que saber a história do teatro musical, quais as referências, os tipos de voz, porque usar determinada tessitura e assim por diante”, aponta.
Para valoriza esse gênero em notável ascensão, o ator aponta prêmios como o Bibi Ferreira como algo fundamental, pois celebra o teatro musical no Brasil. “É uma vitória! O prêmio leva um nome muito feliz, de uma mulher que sempre fez teatro musical. Como é difícil ter patrocínio, nós que ajudamos, ensaiamos e nos apresentamos de graça porque queremos que aconteça”, diz o gaúcho que já ganhou na indicação “Melhor Ator”.
Cumplicidade marca o relacionamento com Cláudia Raia
Desde 2012, Jarbas mantém um relacionamento com outra grande estrela dos musicais, a atriz Cláudia Raia . O amor pelos palcos uniu o casal que escancaradamente vibra com o sucesso um do outro. “Temos os mesmos gostos, as mesmas referências, fazemos aulas juntos, ensaiamos juntos, criamos juntos, somos apaixonados pelo que fazemos e gostamos de falar de teatro. O tempo inteiro um torce pelo outro, um está no teatro do outro.”
Ele lembra que teve uma época que estávamos em teatros diferentes, então quando acabava o espetáculo primeiro que a amada fazia questão de ir correndo até o teatro que ela estava em cartaz para vê-la em cena. Jarbas garante que as cenas de romance não causam ciúmes em nenhum dos dois. “Quem está em cena não somos nós, mas os personagens.”
Junto com a parceira, Jarbas Homem de Mello tem muito projetos futuros. O casal está trabalhando em cima de um filme musical, que será uma comédia inédita escrita por eles. Também desejam fazer um musical estrelado apelas pelos dois. Além disso, ele segue dirigindo o espetáculo “MPB – Musical Popular Brasileiro” e vai participar de um filme. Para o teatro, não tem nenhum plano certo para o ano que vem.