Navegar por mares nunca dantes navegados parece não ser mais um desafio para as editoras independentes atualmente. Com um cenário de crise no mercado editorial, essas pequenas empresas têm se reinventado, mostrado novos modelos de negócios e conquistado um público fiel sem perder a qualidade no seu conteúdo.
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Este ano, as editoras independentes chegam novamente à Feira Internacional do Livro de Paraty (FLIP) atracando seu barco em um dos maiores festivais de literatura do País. Depois da Casa da Porta, o evento receberá um barco literário que procura reunir grandes nomes do mercado.
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Esta será a segunda vez que esses selos marcarão presença no evento, já que no ano passado a feira recebeu diversos selos na sua programação de tal modo que nunca foi alcançado nas edições anteriores.
A novidade, entretanto, é reflexo de um movimento muito maior, que tem se mostrado cada vez mais potente no País e no mundo.
Mas afinal o que são e como funcionam as editoras independentes?
Para João Varella, um dos fundadores da editora Lote 42, editora independente fundada em 2012, não existe uma regra que defina esse modelo. “Cada um entende algo a partir desse adjetivo. Eu entendo que uma editora independente ela não tem vínculo com nenhum grupo de investidores. É uma editora que pensa mais na questão do conteúdo do que em receita, lucro. Põe a literatura e a arte à frente”, explica.
Varella começou com a Lote 42 ainda quando trabalhava como jornalista em redação, mas em 2015 acabou decidindo dedicar integralmente o seu tempo para a empreitada. Ainda que ande a passos muito mais lentos que os selos tradicionais, o empreendedor comemora: “Felizmente nós estamos vendendo mais livros comparados a anos anteriores. Todos os anos conseguimos sempre um pouco a mais”.
A receita da empresa, de acordo com Varella, é diretamente relacionada com o número de vendas dos livros. “Uma editora tradicional tem como modelo de negócio lançar muitos livros, mais numa escala industrial. Tem editoras que chegam a publicar 50 livros por mês e nós publicamos mais ou menos um livro por bimestre”, explica Varella.
Apesar da competição no mercado com as outras editoras ser desproporcional, o jornalista garante que essa diferença traz algo que diferencia e valoriza as editoras independentes. “Nessa velocidade mais baixa nós conseguimos promover mais inovações”.
A Lote 42, por sua vez, não hesita em apostar em novos formatos para trazer ao leitor outras experiências de leitura. Em suas publicações, “Queria Ter Ficado Mais”, por exemplo, traz um modelo diferenciado para o leitor. O livro é composto por várias autoras e é necessário que se abra um envelope do conjunto com 12 para ler cada relato das mulheres que resolveram viajar pelo mundo.
Muito além da inovação
Longe de shoppings, livrarias ou sebos que trabalham diretamente com as maiores editoras, os selos independentes precisam buscar novas alternativas para colocar o seus livros em evidência no mercado. De acordo com o jornalista, um dos principais pontos de distribuição dessas obras são as feiras.
Em São Paulo, cidade onde a sede da Lote 42 se localiza, diversas feiras já integram a agenda cultural. Entre elas, a feira Miolo(s) e Tinta Fresca – que são, inclusive, organizadas pelo selo. Além disso, há outros nomes como a Feira Tijuana e a queridinha do momento, Plana, que a cada ano aumenta o número de visitantes.
“Elas são realmente muito jovens e conseguem abraçar essa nova produção do independente, ter um espaço igual para todo mundo, uma produção muito simples e que vem atraindo a atenção de muita gente”, comenta o jornalista.
Apesar do sucesso na capital paulista, as feiras de editoras independentes acabam sendo uma demanda em outras localidades do país. Horas antes de ser entrevistado pelo iG Gente , Varella comentou que estava em contato com uma produtora de feiras na região nordeste e revelou que há iniciativas também emergindo pela localidade. “É um movimento global de feiras e o Brasil está indo muito bem”, comenta.
O interesse pelas publicações independentes fez com que Elisa Ventura da livraria Blooks iniciasse um novo negócio, o IndieBlooks. O site, lançado em maio deste ano, tem como intuito reunir as editoras no digital possibilitando a compra nacional desses produtos.
“Eu fiquei muito tempo sobre isso porque não havia menor sentido colocar uma loja da Blooks online competindo com a Amazon , por exemplo. Era custo e esforço desnecessário”, relembra Ventura ao iG Gente . “Mas me veio a ideia da Indie Blooks porque percebi que as editoras independetes não tinha uma plataforma em que todas estivessem juntas e pudessem ter uma força independente”, completa.
Em cerca de um mês de trabalho com o novo empreendimento, Ventura relata que o site está recebendo bastante receptividade, em especial fora dos eixos do Rio de Janeiro e São Paulo. Para ela, a plataforma acabou atingindo uma demanda fora desse centro não apenas para as editoras nacionais quanto para o público.
E como ficam as livrarias?
Em um cenário de livrarias fechando, como aconteceu com a FNAC no Brasil e atraso de pagamentos, como é o caso da Saraiva com alguns selos, as editoras independentes mostram-se não tão impactadas, já que não dependem destas empresas ou de investidores para circular no mercado.
Entretanto, Varella lamenta a situação no País. “Do ponto de vista de uma pessoa envolvida com literatura isso é muito ruim e preocupante. Seria muito egoísta e de todo mundo dizer que não nos importamos só porque não vendemos em livrarias. Não pode ser assim”, comenta.
O jornalista explica que a lógica por trás do empreendimento está associado ao que o marketing chama de b2C (Business To Consumer), ou seja, o comércio efetuado diretamente entre a empresa e o consumidor final.
“Uma editora tradicional vende para livraria e não para o consumidor. Já a editoria independente é uma b2C, pois se vende direto para o consumidor”, comenta. “A editora independente assim acaba tradicionalmente tendo um maior contato com a demanda dos leitores e com isso acaba aguçando a sensibilidade do critério editorial”, completa Varella.
Para Ventura, o cenário é ruim assim como para as grandes marcas, mas o fato de ser um empreendimento pequeno facilita em como acompanhar as ondas da crise. “Todo mundo está precisando se reinventar e essas livrarias grandes ainda tem um problema maior que é a Amazon. Por serem muito engessados, vemos as grandes redes fechando e as independentes crescendo”, comenta.
“As livrarias menores são as que conseguem se reinventar, conseguem mexer, pensar diferente do mercado. No fim, é um monte de pessoas pensando igual, são poucas as livrarias que estão tentando se reinventar”, completa a empreendedora.
Varella ressalta que o relacionamento com as pequenas empresas é importante. “É bom a se relacionar com gente do nosso tamanho”, comenta. Segundo o jornalista, há uma preferência das editoras independentes pelas pequenas livrarias por conta de um atendimento mais refinado e uma maior curadoria. “Esses grandes grupos acabam vendendo espaço em loja para as grandes editoras e não são organizadas de acordo com o olhar do livreiro”, comenta.
Depois de lançar uma nova filial em São Paulo, na Reserva Cultural, a Blook demonstra que quer ir além. Segundo Ventura, um projeto embrionário que está nascendo no cerne da empresa é a de também contemplar não só as editoras independentes como também as produtoras. “Queremos ampliar esse conceito do indie”, explica.
Mas o crescimento da abrangência da livraria não significa que há uma vontade de transformar o nome em uma marca grande. “Queremos cada vez mais trabalhar com espaços menores e bem localizados que é o caso do reserva. A nossa ideia é de estar sempre próximo de espaços bacanas, sempre conectado a um espaço cultural”, completa.
Competindo com as grandes
O aclamado Prêmio Jabuti, ao celebrar os 60 anos de existência em 2018, também buscou se adaptar este ano para as mudanças que o mercado editorial vem apresentando.
Recebendo livros no formato PDF, o ex-curador da premiação Luiz Armando Bagolin, que acabou pedindo demissão do cargo na última sexta-feira (15), afirmou ao iG enquanto ainda ocupava a cadeira que a mudança vem como tentativa de modernização. Para ele, há um grande interesse na Câmara Brasileira do Livro de acolher os autores e editoras.
“Um primeiro motivo é uma razão estatística: o numero de autores independentes no mundo e no Brasil têm crescido ano após ano. Eles são realidade no mercado, não podemos fingir que não existem”, comenta.
Entretanto, Varella critica que ainda que haja esse intuito de englobar as editoras independentes no circuito da crítica literária, os passos ainda estão sendo dados de maneira lenta. “Eu acho que eles tratam as editoras de maneira parecida e tem editora que é pequena e não consegue bancar com os custos das inscrições”, comenta.
Além disso, Varella ainda ressalta que mesmo nas tradicionais feiras do livro o tratamento com as pequenas editoras é diferenciado, como a Bienal do Livro, que acontece em agosto em São Paulo. “No Brasil existe um ônus para quem compra em maior quantidade: o metro quadrado fica mais barato nos stands. Assim, as grandes editoras conseguem mais espaços por preços mais baratos”, revela.
Para ele, o modelo da Feira de Frankfurt é mais interessante, já que os metros quadrados maiores são mais caros enquanto os menores, mais baratos. “Eu sou mais a favor de que estimule a diversidade”, comenta.
O futuro
Ainda que as editoras independentes mostrem uma força inata atualmente, o futuro é incerto – mas a criatividade é intrínseca. Não são apenas as livrarias que buscam se reinventar, mas também as editoras cada vez mais procuram ousar e aproximar o leitor de novas formas de se vivenciar a literatura.
A Lote 42 é um exemplo nesse pioneirismo. Ao lançar uma campanha de desconto por cada gol sofrido do Brasil no jogo contra a Alemanha em 2014, a editora teve seus livros vendidos por mais da metade do preço na internet. Quatro anos depois, eles não hesitam em brincar com a realidade.
“A cada gol que o Brasil sofrer, nós vamos colocar um livro diferente com 70% de desconto na nossa loja virtual”, conta Varella. A memória do evento ainda contará com o lançamento de um zine, “O Gol Infinito” na Banca Tatuí, revendedora de produções independentes do selo.
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“Eu acredito é esse aumento no interesse principalmente de espaços culturais querendo colocar publicações, bibliotecas vai fazer com que surjam mais editoras, além de mais leitores e isso faz bem. Esse ecossistema é oportuno”, comenta. “Vejo que isso acarreta numa expansão das editoras independentes, mas prever o futuro não é minha especialidade”, brinca o jornalista.