Jean-Luc Godard é a principal atração da 71ª edição do Festival de Cannes, que abre os trabalhos nesta terça-feira (8) com a premiere internacional de “Todos lo Saben”, primeiro filme em espanhol do iraniano Asghar Farhadi, estrelado pelo casal Javier Bardem e Penélope Cruz.
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Se o cartaz oficial do festival - um beijo entre Jean-Paul Belmondo e Anna Karina em "O Demônio das Onze Horas” – já antecipava que Godard seria um elemento primordial em Cannes no aniversário dos 50 anos do Maio de 68, sua presença na competição oficial com “Le Livre d´images” dirime qualquer dúvida.
Patrimônio do cinema francês – e de Cannes- Godard participa do evento pela 7ª vez. Foi premiado em 2014 com o prêmio do Júri por “Adeus à Linguagem”. Na ocasião, não compareceu. Em 1968, ajudou a interromper o festival na esteira dos protestos que tomaram conta de Paris.
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Cannes sobre pressão
A edição de 2018, que se desdobrará até o dia 19 de maio, acontece sob escrutínio inédito. Com a decisão de proibir selfies no tapete vermelho e não realizar exibições para a imprensa pela manhã dos filmes que terão premiere à noite, o festival já vinha calibrando polêmicas antes mesmo do anúncio dos filmes selecionados.
A seleção não ajudou. A competição oficial reúne dez estreantes na disputa pela Palma de Ouro. É o maior número neste século. Dos 21 em disputa, apenas três são mulheres. Esta será a primeira edição do festival após o escândalo envolvendo Harvey Weinstein, habituê na riviera francesa, e a eclosão de movimentos como o Me too e o Time´s up.
A pressão sobre o evento, no entanto, não reside apenas na análise detida e minuciosa da participação das mulheres no evento. A briga entre o festival e a Netflix, que depois de ter sua participação na competição oficial proibida decidiu retirar seus filmes do evento, ainda deve render embaraços e inquietações mercadológicas e artísticas.
Há, ainda, a presença de Lars Von Trier , banido do festival em 2011 na esteira de piadas pouco felizes envolvendo Hitler e o holocausto. A ideia era que o dinamarquês participasse da seleção oficial, mas no vigente clima na indústria, a participação de um cineasta banido e sobre o qual paira certa percepção de misoginia seria pura pólvora. Dessa maneira, “The House That Jack Built” será exibido fora de competição. Assim como “Han Solo: Uma História Star Wars”, “The Man Who Killed Don Quixote”, de Terry Guilliam,”Sink or Swin”, de Gilles Lellouche e “Gotti”, de Kevin Connolly.
Mulheres no comando
A edição de 2017 foi aquela em que mais mulheres foram premiadas na história do festival. E isso não quer dizer muita coisa, como apontou um levantamento feito pela agência de notícias AFP.
Dos 268 cineastas com as principais distinções do festival (Palma de Ouro, Grande Prêmio do Júri e Prêmio do Júri), apenas 11 eram mulheres; o que dá 4% do total. A neozelandesa Jane Campion permanece como a única a ter ganhado a Palma de Ouro por “O Piano” em 1993. Quanto aos prêmios para melhor direção e roteiro, quatro mulheres foram premiadas entre 111 contemplados, ou seja, 3,5%.
O diretor do festival Thierry Frémaux disse em abril que “jamais qualquer tipo de discriminação positiva em relação às mulheres seria feita em Cannes”. Mas há muita gente insatisfeita com o quadro apresentado por esses números.
Atrizes negras francesas capitaneadas por Aïssa Maïga preparam um protesto para o evento. Elas assinaram um livro coletivo “Noir n’est pas mon métier”, algo como “meu trabalho não é no negro”, em que contam cenas cotidianas de suas vidas diante de um racismo institucionalizado na indústria do audiovisual. O ato é esperado para o dia 16.
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Antes disso, no dia 10 de maio, Ryan Coogler, diretor do bem sucedido “Pantera Negra”, dará uma masterclass no festival.
O júri
Uma das vozes femininas mais equilibradas na convulsão social que varre a indústria do entretenimento atualmente, a australiana Cate Blanchett será a presidente do júri da competição oficial.Pela primeira vez em muito tempo o júri será majoritariamente feminino. As atrizes Kristen Stewart, Léa Seydoux, a diretora Ava Duvernay e a compositora Khadja Nin completam a ala feminina. Os cineastas Denis Villeneuve, Andrey Zvyagintsev, Robert Guédiguian e o ator Cheng Chen representam a ala masculina.
O que esperar do cinema?
A expectativa é que toda essa pressão sobre Cannes eclipse o cinema, o que é sempre uma má notícia. É uma verdadeira incógnita como será a recepção aos filmes em competição. A crítica recebeu com ceticismo a competição oficial. O cinema asiático desponta como protagonista, mas os retornos de Spike Lee que apresenta “Blackkklansman” na croisette 27 anos depois de “Febre na Selva” e de Godard podem devolver certa perspectiva.
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As estreias do iraniano Jafar Parnahi e do russo Kirill Serebrennikov devem revestir a Riviera francesa de explosivo conteúdo político, já que os dois cineastas são mantidos sob vigilância em seus países e não poderão comparecer ao festival.
A França surge representada por Christopher Honoré, Stéphane Brizé – ambos em competição pela segunda vez – e Eva Husson, uma das três mulheres na competição oficial. As outras duas são a libanesa Nadine Labaki e a italiana Alice Rohrwacher.
O Brasil tem presença tímida na croisette. “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, terá exibição especial no festival e a coprodução entre Brasil, México e Colômbia "Los Silencios" integra a Quinzena dos Realizadores, uma das mostras paralelas de Cannes .