Linn da Quebrada e Pabllo Vittar já não são mais revelações da música brasileira. São duas personalidades expressivas que quebram diariamente barreiras do preconceito e ajudam a construir uma sociedade com mais respeito a diversidade. Porém, no Brasil, a receptividade e sucesso da drag queen Pabllo Vittar é mais visível do que o trabalho da travesti Linn da Quebrada. Por que isso acontece?
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Quem são Linn da Quebrada e Pabllo Vittar?
Mesmo tendo um nome masculino, a drag queen Pabllo Vittar não importa-se muito como enxergam o seu gênero, podendo ser apresentada como masculino ou feminina - no fundo, ela sabe que é um menino homossexual vestido de mulher. No auge de seus 23 anos, Pabllo arrasta multidões por onde passa, mas nem sempre foi assim. Nascida no Maranhão, ela começou a fazer drag aos 17 anos e só veio ter um pouco de reconhecimento ao lançar a faixa Open Bar , releitura da canção Lean On , do Major Lazer. Foram mais de 1 milhão de views no Youtube, que monetizaram Pabllo e ajudaram no lançamento de seu primeiro EP, também intitulado "Open Bar".
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Em 2016, mesmo após um ataque hacker ter zerado seus views no Youtube, Vittar saía das cinzas para lançar seu álbum de estreia e independente, "Vai Passar Mal", que deu luz aos hits Nêga , Todo Dia , K.O e Corpo Sensual .
Enquanto isso, Linn da Quebrada também iniciou a carreira em seus 17 anos, mas foi aos 25 que realmente foi notada. Auto-definida como "bixa, preta, trans e periférica", Linn da Quebrada é um tombamento de paradigma vivo. Criada em Votuporanga, interior de São Paulo, na infância foi um menino e Testemunha de Jeová, mas aos 17 combinou de se montar e define a experiência desde então como "libertadora".
No mesmo 2016, Linn da Quebrada lançava seu primeiro single Enviadescer . Com 500 mil views em seu primeiro clipe, a artista demorou, mas lançou outras faixas como Talento , Bixa Preta e Mulher . As obras foram ovacionadas pela crítica, levando Linn à embarcar na turnê nacional "Bixarya", durante 2016 e 2017. Embora Linn contasse com apenas quatro músicas de estúdio, o repertório da turnê trazia 12 músicas completamente autorais.
Do outro lado da situação, Pabllo lançava singles, fazia história e ganhava o título de hit do carnaval. Até que, por ironia do destino, as duas cantoras se viram juntas no mesmo palco. Entre 2016 e 2017, tanto Linn da Quebrada como Vittar integraram o elenco do programa "Amor & Sexo", na Rede Globo.
A visibilidade do programa deu um empurrão significativo para a carreira de cada uma. No ano passado, Linn da Quebrada participou do filme "Meu Corpo Político", lançou seu primeiro álbum independente, "Pajubá", utilizando uma vaquinha online e viajou o Brasil para mostrar sua arte. Já Pabllo Vittar fez inúmeras parcerias com cantores brasileiros como Anitta, Preta Gil, Charlie XCX e estrangeiros como Diplo e Major Lazer e entre outros.
Em 2018, Pabllo Vittar entrou para história ao desfilar no carro de destaque da escola Beija-Flor, na Sapucaí. Enquanto isso, pouco reconhecida em seu solo nativo, Linn viajou para Berlim para receber um prêmio pelo documentário "Bixa Travesty", que tem nome homônimo a uma faixa de seu álbum de estreia.
Representatividade e Luta
Vindas da mesma minoria, Linn da Quebrada e Pabllo Vittar, cada uma de seu jeito, levantam bandeiras, fazem campanhas, marcam a história e tornam-se cada vez mais ícones de suas gerações. Pabllo, por exemplo, é a primeira drag a estrelar uma campanha de uma grande loja de departamento, por outro lado, Linn da Quebrada é uma das primeiras cantoras trans a ter tanta visibilidade no País através de canções políticas e desconstruídas.
O iG Gente conversou com a artista e cantora de rap Rosa Luz sobre a relevância da representatividade de artistas como Linn e Pabllo. Apresentando-se como travesti descolonizada afrolatina da periferia, Rosa, 22 anos, acredita que as duas artistas lutam contra o preconceito: "As duas artistas acabam questionando a construção da identidade de gênero 'homem ou mulher cisgênero' (cis é aquele indivíduo que se identifica com o gênero imposto socialmente ao nascer, diferente das trans), mostrando que é possível existir outras possibilidades de identidades e expressões que transcende o que é considerado masculino ou feminino".
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Ela continua: "Na luta contra o preconceito, acredito que ambas questionam a verdadeira ideologia de gênero que foi imposta por uma sociedade hetero-cis-normativa que historicamente, tratou pessoas trans e LGBT's como doentes, apenas for fugirem do padrão branco, hétero, cisgênero".
Criadora do canal "Barraco da Rosa TV", Rosa admira o trabalho da Pabllo e da Linn, que questionam a contrução da identidade de gênero: "
Admiro o trabalho das duas artistas: a Linn da Quebrada é uma travesti negra da periferia enquanto Pabllo Vittar, é uma drag queen. Então, o conceito das duas artistas são diferentes: enquanto Linn pauta questões de classe e de gênero, reivindicando seu espaço na sociedade enquanto travesti, o trabalho da Pabllo parece estar mais focado na relação entre a arte drag queen e música",
completa a e
studante de Teoria, Crítica e História da Arte na Universidade de Brasília.
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Cadê a fama da Linn da Quebrada?
Como dito, neste ano, Linn da Quebrada foi indicada ao Prêmio Teddy no Festival de Berlim e conquistou a estatueta. O prêmio do festival é dado para produções LGBT e não é à toa que tem o apelido de "Urso de Ouro LBGT". Dirigido por Kiko Goifman e Claudia Priscilla, o documentário mostra a trajetória de Linn e começa com uma citação cheia de poder mostrando o que vem a seguir: "Eu quebrei a costela de Adão. Muito prazer, sou a nova Eva. Filha das travas e obra das trevas".
Com dois filmes no currículo, um álbum cheio de conteúdo, turnê pelo país e participação no "Amor & Sexo", é de se ponderar por que Linn da Quebrada não tem a mesma fama que Pabllo Vittar?
O ator e estudante da Escola Livre de Teatro de Santo André, Renan Moreno , viu de perto os primeiros passos de Linn da Quebrada, que também estudou na escola: "Tivemos uma relação bem próxima durante o tempo em que ela estava lá. Conforme ela foi ganhando projeção, perdemos o contato, mas pude ver de perto os primeiros passos que ela deu rumo a essa carreira de cantora. Sou bixa preta, e assim como ela, não me considero uma pessoa cisgênero, mas sim, não binária".
Para Renan, as letras das músicas da Linn da Quebrada não ganham tanta projeção quanto as de Pabllo Vittar pois são "letras explícitas da vivência transviada": "As letras explícitas e a vivência transviada são os motivos mais evidentes para que Linn não tenha tanta projeção quanto a Pabllo, porém, eu acredito que outro fator é o ritmo. Enquanto Pabllo se apropria do pop e do eletrobrega, ritmos populares, Linn traz o funk e o rap, ritmos historicamente marginalizados que não tem aceitação de muitos setores da sociedade, principalmente setores higienizados. Linn é também uma travesti e negra. Já Pabllo, apesar de ser nordestina, traz uma figura que reproduz um padrão estético de mulher branca", fala o ator.
Rosa Luz levanta outro questionamento: o comportamento da mídia diante de artistas que fogem do padrão tradicional: "No fim, estou mais interessada no por quê da mídia constantemente confundir drag com a identidade de gênero trans e por quê acaba muitas vezes silenciando o trabalho de outras artistas travestis, trans e drag queens por acharem que apenas uma na mídia já basta".
Relevância na indústria musical brasileira
No último ano, a música e a representatividade de Pabblo Vittar chegaram à TV aberta em programas como "Domingão do Faustão" e "Encontro com Fátima Bernardes", sendo uma das principais revelações da indústria musical brasileira e da luta contra o preconceito. Enquanto isso, Linn da Quebrada lançava uma campanha de financiamento coletivo para o seu álbum "Pajubá", o primeiro de sua carreira.
Para o fotógrafo Lucas Silvestre , 22 anos, a sociedade não está pronta para ouvir o que a Linn da Quebrada tem a dizer: "Linn da Quebrada toca na "ferida", diz o que muita gente não está pronta pra ouvir, joga verdades que a sociedade não está preparada. Se a sociedade diz que "viado" é um xingamento, Linn escreve Enviadescer e grita para que todos sejam MUITO viados. E, ao meu ver, a Linn nem deseja chegar nos patamares que a Pabllo chegou, sabe. Acredito que o papo dela é mesmo com a bixas".
Lucas tem uma relação muito íntima com o trabalho das duas artistas, que o ajudaram a amar e respeitar seu corpo: "Sou extremamente grato pela existência de Linn da Quebrada e sua arte. Ela me ensinou (e acho que ensina muita gente) a amar o meu corpo e ser eu mesmo, aprendi a me descobrir e a falar sobre mim. Pabllo também é genial. Podermos ter uma drag queen sendo pautada em todos os veículos possíveis, ajuda, não só a sociedade a prestigiar a nossa existência, mas coloca o assunto em pauta em mesas de família, por exemplo."
Além de Linn da Quebrada e Pabblo Vittar , outras artistas como Liniker, Mel Gonçalves e Danna Lisboa também buscam o seu espaço como artistas: "Então, antes de tudo, acho mais importante enaltecer e divulgar o trabalho de outras artistas drags, trans e travestis que também estão realizando um trabalho incrível", observa Rosa Luz atestando a verdade que surge no corpo e no trabalho dessa geração que se levanta contra preconceitos: "todos podemos ser artistas".