O ano era 1998 e o rapper Billy Saga conduzia sua moto em direção a um curso de computação gráfica que fazia na época. O rumo daquele dia acabou mudando bruscamente quando a viatura de uma Polícia Militar ultrapassou o semáforo vermelho atingido diretamente o veículo de Saga. Depois de três meses internado no hospital, Saga iniciou uma nova experimentação de vida: de um lado, a cadeira de rodas surgiu como instrumento de auxílio para essa jornada e, do outro, a música mostrando sua potência não apenas como fonte de força, como também de resistência.
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“Quando eu sofri o acidente teve uma época de reabilitação onde a gente recebe amigos, parentes e depois que isso passa é você com você mesmo”, relembra Billy Saga . “Aí nessa hora o rap me ajudou bastante. Eu tinha uma causa, uma luta, eu tinha essa ideia de escrever para dar um sentido”, completa o artista. Fã do hip hop desde sua adolescência, Saga começou a escrever suas rimas a partir dos 14 anos e desde então fez do rap a trilha sonora da sua vida.
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“Eu nunca parei de escrever e quando eu sofri o acidente eu enxergava essa nova realidade bem excludente que segregava muito as pessoas com deficiência no Brasil e, antes, eu não tinha esse contato. Aí eu comecei a direcionar a minha música para a causa”, revela o rapper. O novo encontro de Billy Saga com a música rendeu ao artista uma série de novos caminhos. Em 2003, unindo-se a outros jovens que também integram a estatística de 24,5% da população brasileira de pessoas com deficiência, o “Movimento SuperAção” nasceu com o intuito de ser uma ação cultural promovendo o empoderamento e sensibilização da sociedade para a causa.
“O formato escolhido pela gente na época era através da força, não do vitimismo, mas sim da festa. Procuramos trazer formadores de opinião e discutir o tema na sociedade nos seus três setores”, conta. O movimento cresceu tanto que chegou a ocupar espaços não só em São Paulo como também no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, Natal e também em Buenos Aires e Santa Fé, Argentina. Saga conta que enxerga a ONG como um organismo vivo, já que todas as unidades ganharam uma autonomia própria e que, ainda que lidere a organização, o seu atual foco é outro. “Comecei a direcionar mais minha energia e militância com a minha música porque senti a necessidade de ter um publico alvo diferente de quem já nos conhece para ampliar a sensibilização para a causa”, revela.
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O lugar na rua
Falar sobre o movimento hip hop é também falar sobre a cidade. A cultura, que nasceu durante a década de 1970 nas comunidades afro-americanas de Nova Iorque, ressignificou a relação dos jovens com os centros urbanos e, 40 anos depois, a realidade não poderia ser diferente. Entretanto, para Billy Saga essa apropriação da cidade tem uma questão a mais: a acessibilidade. “Eu enquanto cadeirante nunca encontrei muita dificuldade em participar do movimento, sou inclusive tri-campeão da Batalha Racional de Freestyle”, comenta o músico referindo-se a uma batalha de rap na região central de São Paulo que tem a proposta de fazer os rappers debaterem os mais variados temas na rua. “Nunca passei por nenhuma dificuldade além daquela que sociedade impõe por falta de conhecimento. Mas enquanto cadeirante e militante a gente tem que passar por isso e superar”, completa.
Unindo forças com outros nomes da cena, como Emicida e Drik Barbosa, do Rimas e Melodias, Billy Saga comemora o momento da música nacional e afirma: “Com a globalização a gente ganhou maior projeção. Hoje não ganhamos mais dinheiro com disco e sim o que conta é a projeção nas redes sociais, shows e transmitindo nossa mensagem. A nova escola já tornou-se uma escola experiente como os antigos”, comenta o músico, que acredita na força dos MCs para utilizar a música como ferramenta de luta social. “A gente fica responsável pela fundamentação de uma sociedade mais humana, justa e eu tenho na fé a minha ferramenta. Costumo dizer que todo beco sem saída tem passagens secretas e a passagens secreta da falta de acesso, da intolerância é realmente a arte e, no meu caso, o rap”, completa.