Um dos encantos do cinema é se utilizar de premissas aparentemente absurdas para falar de situações e circunstâncias dolorosamente reais e próximas. A ficção científica é o gênero mais pródigo em exercer esse particular fascínio cinematográfico, mas não é incomum que gêneros mais tradicionais o façam. É o caso de “Pequena Grande Vida”, em que o diretor e roteirista Alexander Payne propõe um radicalismo – o ser humano descobriu uma fórmula para encolher e massificou isso – para falar sobre crise financeira, solidão e ambientalismo, entre outras coisas.
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Matt Damon é Paul Safranek, um terapeuta ocupacional que na verdade queria ser médico cirurgião. Ele, como tantos outros, recebe com surpresa e espanto a descoberta do cientista norueguês Jorgen Asbjornsen (Rolf Lassgard) de que é possível miniaturizar pessoas ao subtrair sua massa celular, processo que fica conhecido como downsizing, título original de “Pequena Grande Vida”.
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Embora entusiasmado com a notícia, Paul a vê com o distanciamento que nós humanos encaramos o desconhecido, o exótico. Ele passa a considerar diminuir de tamanho como uma alternativa real pela possibilidade de converter sua renda, de classe média baixa, em uma verdadeira fortuna – já que a vida para os pequenos é muito mais barata. A descoberta científica é ofertada como uma estratégia para brecar os danos ambientais que os seres humanos acarretam ao planeta. Mas é publicizada como uma alternativa para fugir da crise financeira cada vez mais alastrada. Payne e Jim Taylor, habitual colaborador na confecção dos roteiros do cineasta, são muito precisos e enfáticos no desenho dessas nuançes.
As reverberações de tal descoberta, no sistema econômico, na politica imigratória e em outros pontos da organização social surgem encorpadas no longa, mas é a transformação íntima de Paul que norteia o drama com pitadas de um humor estranho, deslocado.
Os personagens coadjuvantes iluminam essa jornada de uma maneira muito bem-vinda e que agrega grande valor ao filme, nos espectros narrativo, espiritual e reflexivo. Christoph Waltz vive um viajado e por vezes inadequado vizinho do personagem de Damon que tem uma filosofia de vida peculiar e sente-se atraído pela figura de Paul. Já Hong Chau é Ngoc Lan Tran, uma ativista vietnamita que é miniaturizada contra a vontade e trabalha como faxineira no bairro residencial que Paul vive.
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A premissa de “Pequena Grande Vida” é tão boa e oferta tantas possibilidades reflexivas que Payne pena um pouco para achar seu final, que é um tanto anticlimático e talvez excessivamente manufaturado, mas mesmo assim mantém o eixo humanista de sua filmografia pregressa em grande estima. Trata-se de um filme com premissa ambiciosa, mas de proposta consideravelmente menos complexa. A ideia aqui é justamente discutir aspirações pessoais, mas Payne faz um comentário (bastante sagaz) sobre como o homem moderno é suscetível a interferências externas (propaganda, religião, ativismo político) e como essa condição pode resultar nele desaparecendo em si mesmo.