A sofisticação narrativa, visual, sonora e diegética do cinema de Paul Thomas Anderson parece não encontrar limites. Depois de ofertar ao mundo pelo menos duas obras-primas nas figuras de “O Mestre” (2012) e “Sangue Negro” (2007), o cineasta apresenta um filme de magnetismo singular como “Trama Fantasma”.
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Trata-se de um filme que se revela novo a cada camada desvelada. Mais intenso e alegórico a cada novo desdobramento e de uma elegância, no texto, nos diálogos, mas também na construção dos conflitos e na arquitetura visual, ímpar. “Trama Fantasma” é uma história de amor esquisita, adornada por uma atmosfera de estranhamento que se descobre uma elaboração aguda sobre o antagonismo de classes sociais e também entre os gêneros masculino e feminino.
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Daniel Day Lewis é Reynolds Woodcock, um prestigiado estilista na Londres dos anos 50 que mantém uma relação bipolar com suas musas, mulheres com as quais se relaciona em busca de inspiração formal e sensorial para seus vestidos, disputadíssimos na alta sociedade londrina e europeia. Alma (a sensacional Vicky Krieps ), no entanto, parece ser uma musa de outra natureza. Ela se apaixona por Woodcock, como elas geralmente se apaixonam, mas há um fascínio diferente nela e o público se debate para descobrir exatamente o que durante boa parte das mais de duas horas de projeção.
A maneira como Anderson aborda a subserviência de Alma que vai se metamorfoseando em encanto, desencanto, rebeldia e comunhão é um alento para apreciadores de um bom e original drama. A maneira como Woodcock é abordado por Anderson e Lewis é um assombro. Irascível, temperamental e ocasionalmente cruel, o personagem é um dos mais ricos e bem talhados da fabulosa carreira de Daniel Day Lewis. A maneira como o ator o desenvolve de dentro para fora, com energia, dor, enfado e emoção é um alento para apreciadores da arte refinada, associativa e sugestiva.
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Do roteiro muitíssimo bem estruturado à trilha sonora imolatória, passando pelos figurinos lindíssimos, pela direção de arte requintada, “Trama Fantasma” é um deleite. Cinema do mais alto grau de rebuscamento, mas que também se atenta ao básico, aos personagens. Nesse sentido, Alma e Woodcock são o alicerce de uma história surpreendente, poderosa e inadvertidamente aflitiva. Anderson observa os absurdos - e caprichos - da existência com a placidez que só é possível no amor.