O cinema independente tem seus artifícios de narrativa e sedução e Greta Gerwig , cria do cinema independente americano, não precisava se desviar deles para entregar um primeiro filme como cineasta oxigenado e iluminado. “Lady Bird: É Hora de Voar”, portanto, congrega em torno de si muitos dos clichês que vemos nos indies americanos, mas traz consigo também uma energia bruta redentora, uma feminilidade extasiante e uma sensibilidade tocante.
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Não é segredo que “Lady Bird” tem muita coisa autobiográfica. Escrito e dirigido por Gerwig, o filme foca em Christine “Lady Bird” McPhershon (Saoirse Ronan), uma adolescente de 17 anos que cresce na cidade de Sacramento na Califórnia. A autobatizada Lady Bird , por isso o nome recebe as aspas, como ela mesma nos explica, quer ser tocada pela arte e se ressente de morar “do lado errado dos trilhos” em Sacramento. Os pais passam dificuldades, mas essa realidade difícil ainda soa abstrata para ela. Justamente por isso, a relação com a mãe Marion (Laurie Metcalf) é tão intensa, polarizada e emocional.
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A maneira como Gerwig trabalha a relação entre Lady Bird e sua mãe é uma das forças motoras do filme. Cumplicidade, rivalidade, afeto e ressentimento se misturam em tons e sobretons que ganham relevo nas atuações delicadas, mas ainda assim febris, de Ronan e Metcalf. Há algumas cenas, como a que elas discutem e apontam passividade-agressividade uma a outra enquanto escolhem um vestido para o baile de formatura, que só poderiam ser dirigidas por uma mulher. O cinema de Greta Gerwig se mostra ventilado por experiências pessoais. As dela como filha e as dela como figura marcante no cinema independente.
Saoirse Ronan é um vetor poderoso das emoções nem sempre resolutas que a cineasta almeja alcançar com seu filme. As contradições de uma mulher em formação são dedilhadas pela atriz como quem compõe uma música de reconciliação consigo mesma. Nesse sentido, a Lady Bird de Ronan é uma garota atenciosa, de convicções fortes, mas especialmente cruel – como o são a grande maioria das adolescentes nesta fase. E Ronan aborda isso tudo com delicadeza e sensatez.
Outros bons destaques do elenco são Lucas Hedges, como o primeiro namorado que vem de uma família de tradicionais católicos irlandeses, Timothée Chalamet, como um tipo soturno que vai lhe ofertar alguma experiência sexual, Tracy Letts, sempre respeitado e especialmente eficiente nos silêncios, como o pai, e Beanie Feldstein, como a melhor amiga Julie.
Este é um filme de amadurecimento e Gerwig não se furta a apontar os erros da juventude. É, portanto, um cinema que busca certo congraçamento em diferentes esferas. Justamente por isso e por soar tão pessoal para quem quer que assista, especialmente se se é filha ou mãe, que “Lady Bird” se assevera como algo tão singular, ainda que envolvido por clichês tão bem manipulados.
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